A armadilha do materialismo espiritual – os percalços do ego
O materialismo espiritual é um termo que foi usado pela primeira vez pelo professor tibetano Chogyam Trungpa Rinpoche. No livro “Cutting Through Spiritual Materialism”, Trungpa falou sobre suas teorias de como o ego usa o caminho espiritual para suas próprias prioridades e os erros que as pessoas cometem em sua busca da iluminação. Descubra neste artigo, como a teoria do materialismo espiritual se aplica em nossa jornada espiritual.
“O problema é que o ego pode converter qualquer coisa para seu próprio uso. Até mesmo a espiritualidade”
A busca espiritual
Na cultura ocidental, desde cedo somos condicionados ao individualismo e obtenção material. Isso nos leva a impor nossas estruturas arraigadas de entendimento à espiritualidade. Assim, colecionamos cursos, retiros e práticas como medalhas, alimentando nosso ego sempre faminto.No oriente, passamos a pensar em nossa evolução espiritual como um auto aperfeiçoamento, o que é muito bom. Mas, também nos voltamos ao Eu de nosso Ego.
Passamos a acreditar que a busca espiritual de alguma forma nos torna melhores do que a pessoa ao lado, que não entende sobre meditar todos os dias, praticar uma hora de asanas ou se consultar com um guru. Mas, o caminho espiritual está em curso em todos nós. Estejamos conscientes disso ou não, nossa alma está em crescimento e busca sua evolução. Quando o ego se apropria dessa busca e a usa para se alimentar, corremos o risco de cair na armadilha do materialismo espiritual.
Os Três Senhores do Materialismo Espiritual
O autor Chogyam Trungpa demonstrou como nossos erros espirituais se enquadram em três mal-entendidos, decorrentes do materialismo ligado à cultural ocidental. Ele os nomeou como os “Três Senhores do Materialismo“.
O primeiro deles é o “materialismo físico”, onde existe a crença de que adquirir e acumular cada vez mais trará felicidade. Porém, mesmo quando alcançamos aquilo que desejamos, sempre queremos mais. Assim, a insatisfação acompanha todas as compras e o desejo que deve ser tratado.
O segundo Senhor se refere ao “materialismo psicológico“, no qual acreditamos que uma fé ou sistemas de crença será a cura de todos os nossos males. Nos encantamos pelo budismo, por exemplo, e pensamos que se nos dedicarmos às práticas com vigor, vamos nos curar do sofrimento. Porém, ainda sofremos. Podemos atacar um partido político, uma ideia ou uma causa em um momento para aliviar nossas tensões. Mas, esse alívio é momentâneo. Ainda vivemos em um mundo físico e uma religião ou ideia não impede que surjam desafios.
O Terceiro Senhor é o “materialismo espiritual“, a crença que um estado mental ou prática espiritual vai nos libertar dos problemas da rotina. Podemos nos isolar do mundo pelo uso excessivo de técnicas de meditação e respiração, ou viver em uma névoa inebriante, fugindo de tudo. Porém, em algum momento precisamos parar de meditar e o mundo vai imergir. O sofrimento que evitávamos virá novamente, mais difícil que nunca. A vida não para, por mais que tentemos congelá-la.
O Ego como uma projeção da mente
A teoria de Trungpa ensina que os três Senhores são baseados na ideia de que o ego é real, que ele é algo que deve ser domado e treinado. Porém, ele está em constante mudança e não existe em si, mas apenas como uma projeção da mente. Quando o alimentamos e construímos nosso senso de identidade a partir das práticas espirituais, estamos fomentando algo que não existe. Qualquer coisa que se alimente deste falso Eu do Ego vai acabar nos causando ainda mais sofrimento.
Então, quais são os sinais de alerta e como podemos encontrar nossa alegria e aliviar nossas angústias sem cair na armadilha do materialismo espiritual? Talvez seja a hora de parar de olhar para dentro e voltar nossa atenção para o mundo, estabelecendo a intenção de servir ao bem e aos outros. Apesar de que isso também possa alimentar o ego, o levando a crer que é uma ótima pessoa porque ajuda os necessitados, estar consciente de suas verdadeiras motivações é suficiente.
Se nos vemos mudando sempre de religião, professor, livro ou ideia, esperando pela iluminação ou cura instantânea, estamos caindo em outra armadilha. Infelizmente, não existe uma saída fácil. Podemos encontrar formas de ser que nos ajudam a abraçar mais as coisas, sem julgamentos, mas não existe cura para a vida, a não ser a morte. Até mesmo seres totalmente iluminados sofrem quando perdem alguém que amam. Todos nós sentimos dor.
Materialismo Espiritual – A armadilha de competir
Existe outra armadilha no caminho espiritual, a de achar que meu sofrimento é pior que o seu ou minha felicidade é maior que a sua. Se comparar e competir não tem utilidade nenhuma no mundo espiritual. Precisamos buscar viver de uma forma mais pacífica. Todos nós sofremos e encontramos a felicidade. Essa comparação é uma jogada do ego em busca de combustível.
Se você notar que está falando fervorosamente sobre um professor, livro ou prática espiritual, pode estar tentando “vender” isso. Quando vendemos algo, provavelmente caímos no materialismo espiritual.
Isso não significa que você não pode escrever um livro sobre a busca da felicidade ou fornecer serviços espirituais pela cobrança de uma taxa. Trata-se apenas de uma preocupação para garantir que o coração da sua prática esteja centrado em prestar serviço e não em servir a si mesmo.
Também esteja ciente que comprar soluções rápidas que prometem iluminação instantânea ou cura não vai resolver seu problema. Cada um de nós tem seu próprio caminho se desenrolando dentro de si ao longo da vida.
No ocidente, é muito comum nos apropriarmos da espiritualidade de outras culturas, realizando rituais ou práticas, misturando e combinando, sem pensar na cultura ou história que construiu essa crença. Escolhemos um pouco disso e um pouco daquilo para construir nossa fé, sem nos informar melhor sobre cada coisa, apenas acumulando. É essencial tratar as práticas de outras culturas com cuidado e respeito.
Materialismo Espiritual – As dicas dos termos e palavras
As palavras que usamos quando estamos nos referindo a caminhos espirituais nos dão indícios sobre quando estamos caindo na armadilha do materialismo espiritual. Ao usarmos palavras como comprar e vender, alcançar, perder, vencer ou palavras de julgamento, provavelmente devemos ficar atentos.
Chögyam Trungpa disse:
“O materialismo espiritual é enganar-nos a pensar que estamos desenvolvendo espiritualmente quando, ao invés disso, estamos fortalecendo nosso egocentrismo por meio de técnicas espirituais”.
Afinal, o que é espiritualidade?
Como é possível seguir nosso caminho espiritual sem cair nessas armadilhas? A consciência é a resposta. Quando estivermos conscientes, focando não apenas em nós mesmos e nossa própria cura, mas de alguma forma servindo a um bem maior, estamos no rumo certo. A verdadeira espiritualidade significa experimentar a vida como ela é e ao mesmo tempo, sentir a essência de nós mesmo, dos outros e do próprio universo, que nos fornece a fonte superior.
As ideias de Trungpa sobre o materialismo espiritual servem para nos despertar para o erro que todos nós cometemos ao alimentarmos o ego através do auto aperfeiçoamento. Ele nos mostra uma realidade muito mais incrível, a verdadeira alegria, que envolve abandonar o ego e apenas estar aqui no momento, surfando as ondas da vida conforme elas sobem e caem.
Nós usamos a busca espiritual para construir um senso de nós mesmos como uma “pessoa espiritual”. Essa é uma farsa ou uma busca da iluminação como forma de fuga. Todos conhecemos pessoas viciadas em retiros, que saem de suas experiências muito bem, mas que algumas semanas depois estão se perdendo novamente e procurando outra “solução espiritual”. Busque uma forma de encontrar sua essência e o seu próprio caminho para a iluminação espiritual.
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