Mais vale um ateu digno do que um religioso hipócrita. Você concorda?
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
O mundo é religioso, quanto a isso não restam dúvidas. Cultivamos as narrativas metafísicas desde a pré-história, que evoluíram para mitologia e terminaram nas religiões. Muitas religiões. E nenhuma delas se entende, todas clamam para si a abertura do único caminho que leva ao criador e a salvação. Se eu estou certa, a crença do outro só pode estar errada, e fim.
Por sorte, estamos vivendo um momento de transição e transformação tão grandes, que estamos finalmente nos libertando das amarras religiosas. E com isso não quero decretar o fim das religiões, pois há em todas elas grande inspiração divina. Quero dizer que, finalmente, estamos conseguindo ao menos olhar para elas com olhos mais libertos, percebendo que nem tudo que nos é ensinado é, em essência, verdadeiro. Estamos conseguindo olhar a “big picture”, pois já conseguimos perceber que todos os caminhos levam a espiritualidade. Que avanço.
O mais perigoso tipo de ateísmo não é o ateísmo teórico, mas o ateísmo prático. Este é o mais perigoso tipo. E o mundo, e mesmo a igreja, está repleta de pessoas que prestam culto com os lábios em lugar de um culto com a vida.
Então, uma das perguntas que surge é: quem perde mais espiritualmente? Um bom ateu ou um religioso preconceituoso e cheio de ódio? Parece impossível pensar em um religioso cheio de ódio, mas basta olhar o que o islamismo radical (vale dizer que estes são uma minoria que não representam o verdadeiro Islã) consegue fazer com algumas pessoas, quando as convence de que se explodir e levar consigo milhares para o vale da morte é uma boa ideia. No Brasil, felizmente, não sofremos desse mal. Mas, se quiser um exemplo de religioso enfurecido, é só olhar para trás e relembrar quantos falavam de Jesus fazendo arminha com as mãos, dispostos não a perdoar, acolher e reparar, mas sim trocar olho por olho e dente por dente. A maneira deles de lidar com a violência, criminalidade e desigualdade é com uma violência ainda mais brutal, embrulhada em nome de Jesus. O Jesus deles não perdoa não.
Então, quem é melhor samaritano? O ateu ou o religioso?
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O bom samaritano
Do ponto de vista espiritualista, pouco importa qual é a sua fé ou se você sequer tem uma fé. É nisso que eu acredito e é esse valor que coloco em prática na minha vida. É o seu coração, o mestre das suas ações, quem determina o que vai acontecer com você após sua morte e o quanto você evoluiu e aprendeu no tempo em que esteve na Terra. Ajudar um mendigo vale muito mais do que ir à igreja. Perdoar quem lhe fez mal tem mais valor que uma oração todinha. Como você trata as pessoas? Como se comporta como cidadão? Você julga? Você discrimina? Tem preconceitos? Essas são as pistas para quem quer conhecer mais sobre si mesmo e compreender se está caminhando junto da luz ou das trevas.
Podemos dizer então, que importa mais o que você faz por aqui do que aquilo que você acredita por aqui. Porém, aparentemente, quem muito reza, pouco faz. É o que mostram alguns estudos: parece que o bom samaritano é, na verdade, ateu. Ser religioso ou ateu não faz as pessoas melhores, mas, parece condicionar a compreensão da generosidade e o altruísmo com que agem com desconhecidos. Basicamente, além da questão do julgamento em relação ao outro, parece que o problema está na certeza que os religiosos possuem de que, só pelo fato de serem religiosos, são mais altruístas e solidários e que realizam toda a caridade que precisam, mesmo que esta caridade esteja restrita à sua comunidade religiosa ou aqueles que eles acreditam que “merecem”, pois são “iguais”. Assim mostrou um dos últimos estudos sobre o tema, da Universidade de Chicago, realizado com crianças de 5 a 12 anos em países muito diferentes ideologicamente, especialmente em relação à religião: Canadá, EUA, Jordânia, Turquia, África do Sul e China foram escolhidos para a avaliação da empatia e altruísmo em relação a crença religiosa. Os pesquisadores concluíram que os estudantes que não recebem valores religiosos em suas famílias são notavelmente mais generosos em relação ao outro, tendo uma tendência maior a empatia e a compartilhar seu espaço e suas coisas com outras crianças.
Além disso, os pesquisadores também utilizaram a opinião dos pais como ponto contraditório para as conclusões a que chegaram: questionaram os pais se seus filhos eram mais ou menos generosos, para comparar com a realidade que se delineou nos estudos. Após avaliarem o posicionamento dos pais, perceberam que os pais e mães mais religiosos tem a certeza de estarem criando filhos mais solidários e altruístas. Outra descoberta importante é que a religiosidade faz com que as crianças sejam mais severas na hora de condenar os outros, evidenciando que a religiosidade está diretamente relacionada com a intolerância e atitudes punitivas contra terceiros.
Religião, tolerância e empatia
A religião deveria ser a responsável por nos tornar mais amáveis e tolerantes, mas não é isso que a história nos mostra. As igrejas têm sim um papel muito importante, especialmente social e humanitário, mas esses feitos não são suficientes para nos tornar melhores. E nosso passado sim, nos condena. A história humana nos mostra que a crença religiosa nunca nos impediu de fazer o mau, pelo contrário. Matamos por deus, sem deus, contra deus e a favor de deus. Mas as guerras santas são sem dúvida as mais mortais e também as que mais ceifaram vidas até hoje. E, de todas, são as que menos fazem sentido. Não que alguma guerra seja justificável, mas uma guerra santa? Como é possível?
“Ateus podem fazer maldades, mas não fazem maldades em nome do ateísmo”
Temos aí a Idade Média que não nos deixa mentir: mil anos, exatamente mil anos de trevas religiosas, onde a igreja católica derramou sangue humano sem nenhum pudor ou vergonha, em nome de deus. Talvez, se nosso passado fosse ateu, a idade média pudesse ter sido menos terrível. Há também evidências acadêmicas e científicas de que a empatia é mais propensa a circular entre os ateus. O sociólogo de Stanford Robb Willer publicou um estudo que mostra que a empatia está mais presente entre os ateus do que religiosos. A pesquisa de Willer tornou evidente o pensamento de que os ateus não fazem julgamentos sobre quem podem ou não ajudar, pois não tem uma crença, reputação ou a desculpa do castigo e vontade divina para se esconder atrás enquanto as mazelas do mundo maltratam as pessoas. Para eles, a conexão emocional que se estabelece entre os seres humanos já é suficiente para que eles se sintam impelidos a socorrer um desconhecido, independente inclusive da crença, raça, nacionalidade ou orientação sexual desse desconhecido.
Já os mais religiosos passam por etapas de julgamento para saber se aquele outro merece ou não ser ajudado e concluir se vão ou não fazer alguma coisa. Questões como dogma, a identidade de grupo e a reputação falam mais alto do que o grau de necessidade que o outro possa apresentar ou a gravidade da situação que se encontre envolvido. Não é a situação em si que os faz decidir, mas sim o que pensam sobre a situação segundo seus preceitos religiosos. A ideia de karma também não nos ajuda, e agora saímos das esferas religiosas e entramos em campos chamados “espiritualizados”. Ainda mais hoje, em que a fé está muito colada na ideia de meritocracia e controle da consciência em cima da realidade. É o famoso “basta querer” para obter. Assim, uma situação difícil só pode ser um karma, pois boa coisa aquela pessoa não deve ter sido. Ou, no mínimo, essa pessoa não sabe “vibrar” na energia da luz e da prosperidade, é negativa e está atraindo para si a pobreza e a doença. Então, eles nada podem fazer. Devemos ensinar a pescar, jamais dar o peixe. Mas dar o peixe não foi justamente o que fez Jesus? Não seria um pensamento muito mais evoluído dar o peixe e também promover meios para que seja possível pescar sozinho?
É isso. Religião não é uma garantia para a moralidade, nem de bondade, altruísmo, ética ou qualquer outro valor que consertamos sublime e divino. Às vezes, vale mais um ateu digno do que um religioso hipócrita. Na parábola de Jesus descrita por Lucas nos Evangelhos, era o sacerdote a não se aproximar do necessitado e somente o samaritano parou para ajudá-lo. Muito provavelmente, o bom samaritano moderno é ateu.
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