O buda rebelde: questionamento, liberdade e iluminação
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
A rebeldia também é importante, talvez até mais que a mansidão.
Buda abandonou um castelo, abdicou de sua fortuna e posição social de destaque e deixou para trás mulher e filho, para viver uma aventura de iluminação. Buda era rebelde. Caso contrário, teria seguido com alegria as imposições sociais e os planos de sua família para ele. Costumamos focar sempre na parte transcendental, nos ensinamentos de profunda sabedoria após a iluminação deste mestre, mas nem todas as pessoas prestam atenção ao início de tudo, como tudo começou para ele.
Olhando com mais atenção, talvez nos dias de hoje se um filho seu decidisse fazer o que ele fez, você não acharia nada iluminado. Pelo contrário, provavelmente iria considerar certas atitudes como uma grande irresponsabilidade e falta de comprometimento com a vida.
Abandonando um castelo
Quem, em sã consciência, abandona um trono e um castelo para peregrinar pelas ruas sozinho? Se você disser que só um louco faria isso, se enganou. A resposta certa é Buda, ou Siddhartha Gautama. Se você pensa em Buda com um jovem sábio, meditando embaixo de uma árvore dourada, é porque não prestou atenção na história. Primeiro de tudo, é preciso lembrar que Buda não é uma pessoa, mas sim um atributo, pois, significa iluminação. Logo, qualquer um pode atingir esse estado e, conforme as palavras do próprio Siddhartha, todos somos budas. E o Buda era só um menino, como qualquer outro. Bem, não como qualquer outro, já que ele era de uma família riquíssima e influente, que vivia em um castelo suntuoso.
“A rebeldia, aos olhos de qualquer pessoa que tenha estudado um pouco de História, é a virtude original do ser humano”
Buda era um príncipe e viveu na Índia, aproximadamente entre 563 e 483 a.C., em uma região que hoje pertence ao Nepal. O pai do príncipe Siddhartha, Mayadevi, o educou para ser um grande guerreiro, cercado de luxos e prazeres em um enorme palácio, maneira que Buda viveu até os 29 anos isolado do mundo e sem conhecer a velhice, a doença, nem a morte. Ou seja, tudo o que ele conhecia era bom agradável e belo. Siddhartha tinha absolutamente tudo, mas, ainda assim, havia algo dentro dele que o instigava a ultrapassar as barreiras do castelo e conhecer o mundo fora do seu reinado. Assim, curioso para conhecer o mundo além dos portões do palácio, o príncipe decide sair escondido para verificar por si mesmo o que existia lá fora e este foi o começo de tudo: Siddhartha se depara com o sofrimento, miséria, doença, velhice e a morte, que espantam seus sentidos e calam e seu coração. Ele não podia imaginar uma realidade pior e é esse choque que inicia o processo de iluminação.
Nessa época a vida na Índia era difícil, os habitantes eram numerosos, o alimento escasso e a divisão dos bens desigual, ideias que jamais haviam chegado ao conhecimento de Siddhartha. Então, ele resolveu isolar-se de tudo, abandonando a riqueza, o palácio e a família, a fim de encontrar uma maneira que pudesse amenizar as mazelas humanas e revelar as verdades superiores. Ele inicia então uma peregrinação, que termina com sua iluminação após um longo período de meditação sob uma figueira.
Clique Aqui: O Nobre caminho Óctuplo segundo Buda
Buda rejeitou o individualismo
A primeira lição que tiramos dessa trajetória de Buda, é que ele ficou profundamente impactado pelo sofrimento alheio, apesar dele mesmo ter sido salvo dessa mazela. Para ele não faltava nada, como deve ser a vida de um príncipe. O mais “normal” seria que, mesmo chocado, ele regressasse a sua vida perfeita se sentindo, portanto “abençoado” pela providência divina ter dado a ele tanta prosperidade. Não é isso que vemos no mundo, especialmente nas redes sociais? Pessoas se sentem abençoadíssimas pelas suas conquistas materiais, como se Deus as tivesse escolhido para desfrutar o que a vida tem de melhor. E pior, baseadas na sua experiência pessoal, pintam um mundo cor-de-rosa onde basta desejar para alcançar qualquer coisa. Elas se preocupam muito mais com os costumes do que com as mazelas sociais. O que mais vemos são pais alarmados com um beijo gay na novela ou com homossexuais trocando carinho na rua, pois dizem não saber como explicar isso para os filhos e consideram esse tipo de relação uma má influência. Mas, quando passam junto da criança por um mendigo, a mesma indignação não lhes ocorre. Complicado mesmo é explicar porque pessoas do mesmo sexo se amam, não porque existem pessoas em situação de rua em ter onde morar ou um mínimo de dignidade.
O que impera no mundo (e cada vez mais) é o individualismo. Se eu tenho é porque mereci, e quem não tem, que lute. Faça esse teste: experimente falar com um amigo sobre seu desapontamento com o mundo e com o sofrimento das pessoas. Você vai ser recriminada, pois, afinal, você não tem uma casa? Uma bela família? Comida na mesa? Então está reclamando do que? Talvez seja chamada de rebelde ou revoltada, especialmente se estiver em uma posição mais privilegiada.
O que nem passa pela cabeça dessas pessoas é que todos deveriam ter não riquezas, mas ao menos dignidade. E que é culpa de todos que a África ainda esteja imersa em tanta pobreza e que países de terceiro mundo também sigam sendo dominados e explorados pelos continentes mais abastados. Somos nós que elegemos os governantes que tomam decisões que tratam de manter na pobreza mais da metade do mundo, para que alguns poucos possam se manter no topo da pirâmide da riqueza e do poder. Somos nós que nos ocupamos de coisas estúpidas, como quem deve namorar quem, enquanto mais da metade do mundo está faminta, doente e marginalizada.
Buda não ficou nada feliz com a miséria que viu fora dos palácios, e para ele pouco importou que o dele estivesse garantido. Pelo contrário, ele fez questão de deixar tudo para trás e ir atrás das respostas que podiam acabar com o sofrimento do mundo. Veja, ele não quis acabar com o próprio sofrimento, mas sim com o sofrimento do mundo. Do outro. Ele tinha tudo, mas se o outro não tinha, isso não era aceitável para ele. Buda foi rebelde, muito rebelde, e o resultado disso foi a iluminação espiritual que nenhum outro mestre que andou na Terra conseguiu alcançar além de Jesus.
Falando em Jesus…
Jesus também é um ótimo exemplo de rebeldia. Uma mãe moderna que recebesse esse espírito de luz em casa hoje em dia iria correndo buscar ajuda de psicólogos e Jesus logo seria considerado rebelde, revoltado, um garoto problema. Essa parte revolucionária da história de Jesus também não chama atenção de quase ninguém, infelizmente. Mas assim como Buda, Jesus também deixou para trás o conforto de sua família e o que era esperado dele em termos sociais, para sair pelo mundo levando uma palavra espiritual. Mais do que isso, Jesus foi contra todas as organizações sociais de poder da época.
“Na verdade, o único cristão morreu na cruz.”
Mesmo em sua pregação oficial, existem muitas passagens onde fica clara a rebeldia de Jesus, pois ele foi duramente contra o estado e a religião vigente da época e totalmente a favor da liberdade de pensamento, do acesso a Deus sem nenhum tipo de submissão e contrário aos templos de pedra que construíam em adoração a um Deus. Toda a forma de escravidão foi repreendida por Jesus, todas as formas de poder e opressão de sua época foram alvos de ataque, como, por exemplo, quando ele destrói o templo de Jerusalém e afirma que daquilo não restaria pedra sobre pedra.
No livro Cartas de Cristo, escrito de forma anônima, essa imagem de Jesus como um rebelde que trazia uma mensagem profunda e muito evoluída para a época é bem explorada. No livro, conta a autora que recebeu a mensagem do livro diretamente do mestre, com o objetivo de atingir aqueles que percebem Jesus e sua missão de uma maneira especial, verdadeira e distante da escravidão intelectual que a igreja impõe. É uma viagem fantástica pelo universo de Cristo, que certamente muda toda a nossa percepção sobre Deus, Jesus e a existência na Terra. Jesus lutou contra a opressão religiosa e do Estado, pregou contra o acúmulo de riquezas e tudo mais que hoje nós continuamos adorando. Jesus não era manso. Jesus não aceitava imposições, Jesus era questionador e resolveu mudar o mundo por si mesmo. Resultado? Um dos maiores mestres espirituais que já caminhou sobre a Terra, mas que infelizmente teve sua mensagem totalmente distorcida pelos interesses daqueles que ele mais criticava. E assim é até hoje. Santificamos Jesus e esquecemos desse passado revolucionário dele, que tanto tem a nos ensinar.
Por fim, nos resta a reflexão: olhando para as igrejas hoje, especialmente aquelas que pregam a prosperidade, preconceitos e regras estúpidas, resta alguma dúvida que no mundo atual ele seria morto e crucificado ainda mais rapidamente do que foi no passado? Ele seria chamado de comunista, subversivo e terrorista, sem a menor sombra de dúvida.
Se te chamarem de rebelde, fique feliz!
Ser rebelde tem um significado histórico ruim, pois, quem manda no mundo não tolera rebeldia nem questionadores. Rebelde virou um adjetivo ruim, usado para definir pessoas que tentam sair fora desse sistema escravagista que alimentamos. Ser rebelde é não aceitar o que é imposto, ao menos não antes de pensar. Ser rebelde significa se espantar com as mazelas do mundo, mesmo quando se está embaixo de um belo e quente teto. Ser rebelde é remar contra a maré, e, convenhamos, a maré que escolhemos seguir certamente falhou. Basta olhar em volta e ver a realidade do mundo atual, que, mesmo com grandes avanços, ainda é um lugar dominado pela dor, sofrimento, ego, violência, aparências, opressão e poder.
Quem tudo aceita, a tudo se sujeita. Por isso as religiões ainda possuem, em pleno século XXI um poder que os avanços científicos do XIX jamais poderiam prever. Pensadores dessa época e toda a sorte de intelectuais afirmavam com grande certeza que, no futuro, a ciência iria matar as religiões e o homem seria mais livre. Ledo engano. A igreja só cresce, especialmente aquelas que usam da fé das pessoas para fazer riqueza. Aliás, agora eles têm representação política e estão ganhando cada vez mais força e cegando cada vez mais pessoas.
As trevas da Idade Média estão de volta, e é a nossa civilidade que nos está impedindo de queimar pessoas em praça pública. Ao menos em países mais organizados, pois no Oriente Médio isso ainda acontece bastante. Também acontece nos becos e periferias, quando a população resolve fazer justiça com as próprias mãos. Mas, se fosse permitido, atualmente no Brasil iriam arder em grandes fogueiras qualquer pessoa com uma ideologia política mais a esquerda, os transsexuais, homossexuais e, é claro, negros. Esses a gente mata mesmo, sem dó nem piedade e nada acontece. Um pai de família é capaz de levar oitenta tiros na frente dos filhos, morrer, e a família tem que assistir ao Estado inocentando os assassinos. Nossos crimes dependem muito de cor e raça, infelizmente. Tudo pode ser relativizado, especialmente quando as pessoas têm preguiça de pensar por si mesmas pois estão ocupadas demais postando fotos nas redes, conferindo sua audiência e louvando deuses punitivos, vingativos, cheios de preconceito e que amaldiçoam quem toma cerveja e abençoam quem põe na bandeja.
Por isso, se você é um rebelde, você é diferenciado. Se alegre! Você não aceita o mundo como ele é e isso é ótimo para você e para o mundo. Continue assim e, como Buda, vá atrás das respostas e tente fazer o possível para mudar a realidade que te cerca.
Saiba mais :