Corona: o vírus da empatia
Enfrentamos uma pandemia viral, em que um organismo invisível se tornou um terror mundial. É uma guerra sem armas, um apocalipse sem fim do mundo. Tememos a instabilidade econômica, mas é a crise humanitária que realmente assusta. O isolamento, a proibição do contato, do toque, do abraço, o medo do contágio que espreita a cada esquina fazem dessa situação um período muito difícil, onde temos também que conviver com a perda e a morte.
Porém, há algo nessa situação que chama bastante atenção: a nossa cura parece ser a empatia.
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Primeira lição: nós não somos nada
Aguardamos ansiosos por uma vacina ou um tratamento, que, apesar dos esforços dos pesquisadores, ainda não é uma realidade. Na melhor das hipóteses, uma vacina ainda deve demorar meses, enquanto os tratamentos são promissores mas não comprovados. Por isso, o isolamento da população é tão necessário para diminuir o contágio e achatar a curva da disseminação. Isso evita o colapso do sistema de saúde e garante atendimento para os casos em que os sintomas são mais severos.
Nossa arrogância é tamanha e estamos tão mal-acostumados nos últimos tempos, que temos dificuldade inclusive de compreender porque devemos nos isolar. Ficar em casa no sofá nunca foi tão difícil, apesar de ser a coisa mais fácil do mundo. No Brasil, a ideia de “somos incríveis” é cultural, especialmente quando usamos como medida o dinheiro. Quem muito tem, muito “é”. E isso também está prejudicando a percepção da gravidade da pandemia e a fragilidade da nossa vida. Por exemplo, quem tem mais condição financeira está bem menos preocupado com o vírus do que deveria, defendendo inclusive o afrouxamento da quarentena. São pessoas que estão acostumadas com essa proteção que o dinheiro dá em um país como o Brasil, já que, claro, a doença não chega nelas. E é verdade, quase sempre as epidemias ficam isoladas nas comunidades. A dengue e a zika, por exemplo, são doenças muito graves mas fáceis de combater. Basta eliminar o vetor, o mosquito Aedes Aegypti, e estamos salvos. O que acontece nesses casos? Regiões ricas tratam de eliminar o mosquito, instalam redes de proteção nas janelas e compram inseticidas automáticos caríssimos. E pronto. A dengue está superada e, se derem o azar de cruzar com ela, correm para o Sírio Libanês ou para o Albert Einstein onde são tratados como reis e recebem a melhor assistência da América Latina.
“Quando eu for, um dia desses, poeira ou folha levada, no vento da madrugada,
serei um pouco do nada”
Nunca houve no Brasil uma doença que tenha entrado na sociedade pelas classes mais altas, como é o caso do coronavírus. Quem trouxe a doença para o país foram as pessoas que decidiram passar o carnaval na Itália, a lua de mel na Ásia ou precisaram fazer reuniões importantíssimas nos EUA. Ou seja, gente que tem acesso aos aeroportos e viagens internacionais. E que bom que foi assim, caso contrário, se fosse possível isolar a doença nas favelas, o pouco isolamento que o Brasil tem conseguido fazer apesar das insanidades do presidente da república, não seriam possíveis. Se a mortalidade dos idosos já não é argumento suficiente para parar o país, imagine se o grupo de risco fossem os pobres. E é por isso que pessoas das classes mais altas questionam o isolamento e simplesmente não acreditam que possa haver um colapso dos sistemas de saúde, porque, para elas, falta de hospital é coisa de doméstica. Nunca pisaram no SUS e estão acostumados a ter tudo quanto o dinheiro pode pagar. Nunca ouviram um “não”. O dinheiro dessas pessoas sempre pôde comprar tudo, então, não seria dessa vez que seus planos de saúde milionários iriam falhar.
Já nas favelas não há discussão: ninguém questiona o isolamento. O receio deles é como se isolar, como providenciar o pão de cada dia, já que eles não têm reservas e não podem estocar alimentos. Estão, inclusive, dando um show de solidariedade e ordenação, pois, até mesmo o crime organizado está mobilizado para conscientização das pessoas e organização da quarentena. Já nos bairros mais ricos, a história é bem diferente…
O mundo está mal-acostumado. O brasileiro classe média e alta, mais ainda. Se sentem invencíveis e inalcançáveis com seus cartões de crédito black, mas não há vacinas nem tratamentos também para eles. E periga de faltar hospitais e respiradores também, embora eles não acreditem nisso. Parece incrível que, com tanta modernidade, tanta soberba, a sociedade que se diz tão avançada e tecnológica não consiga resolver o problema de um vírus frágil como esse. Seja arrumando um remédio para a doença ou tendo senso crítico necessário para não desdenhar do isolamento e da importância de pensar no outro além de nós. Não somos nada.
Empatia: nossa cura física e espiritual
Por outro lado, o que esta pandemia nos trouxe de melhor é o exercício da empatia. Ela é a nossa cura física e também espiritual. Todo o mecanismo de proteção, percepção e interpretação da realidade da pandemia estão baseadas na empatia. Se alguma transformação for possível após o fim da quarentena, se estamos caminhando para uma Nova Era, é porque a empatia nos permitiu enxergar onde temos errado e como podemos melhorar enquanto humanidade.
“Fora da caridade não há salvação”
Veja, levou um tempo até as pessoas perceberem o quão absurdo era elas dizerem que iriam manter suas viagens, pois, não eram grupos de risco. Custou até que os mais jovens entendessem que era preciso parar de estar com os amigos, mesmo que no caso deles o vírus causasse sintomas mais leves. Isso era o que sabíamos no início, mas agora vemos que os jovens também estão morrendo e muitos estão internados pelo mundo. Mas no começo de tudo, a ideia que faziam era que só existiam complicações para idosos e grupos de risco; jovens se achavam imunes. Mas, eventualmente, eles entenderam. Foi difícil explicar para os grandes empresários que era preciso parar as empresas e proteger os funcionários. Todos entenderam que ficar em casa não era para se proteger, era para proteger também o próximo. Era pela avó, pelo avô, pela criança que mora ao lado e tem asma. Era pelos pais, era por todos. Demorou, mas muitos entenderam o verdadeiro significado da empatia. E ela vai ainda mais além…
Espiritualidade, empatia e desigualdade social
É impressionante como muitas pessoas não conseguem fazer essa relação. Quando falamos em caridade, fica mais fácil das pessoas entenderem o sentido dessa palavra, ou melhor, dessa virtude. Mas, quando a conversa ruma para a compreensão das desigualdades sociais e da importância da política nessa equação, parece que essa relação se perde em meio a ideologias, narrativas e muita fake news.
O mais curioso é observar que a espiritualidade parece desconectada dessa realidade, no sentido de que as pessoas esperam por mudanças práticas, mas mágicas. Fala-se muito em Transição Planetária, em evolução e despertar da consciência como os motores dessa mudança na Terra, mas esquecem que são as medidas práticas e políticas que realmente fazem essa mudança acontecer. Meditam para salvar o mundo e a si mesmas, mas não entendem que a participação na vida real, que é sim totalmente política, é a única coisa que pode transformar a nossa sociedade realmente. Se todas as pessoas meditassem e continuam cultivando valores tão distorcidos, isso serviria para causar ZERO mudança. Nem nelas, nem naquilo que as rodeia. As pessoas entendem, principalmente as especialistas em separação do joio e do trigo, que nosso destino é evoluir e que escapamos dos horrores da autodestruição. Namastê e pronto. Basta meditar, usar uns cristais e fazer uns retiros e tudo fica bem. E deus nos livre falar de política. Isso é negativo, mancha a aura. Melhor mesmo é fazer yoga duas vezes por semana e já está muito bom.
“A Terra está rodeada de milhares de satélites, podemos ter em casa cem canais de televisão, mas para que nos serve isto neste mundo onde tantos morrem? É uma neurose coletiva, as pessoas já não sabem o que é que lhes é essencial para a sua felicidade”
As pessoas sabem que o que estava programado para nós era uma guerra nuclear. E de onde vêm as guerras? De interesses políticos. O planeta está sufocando com tanta destruição. Sabemos que o aquecimento global é uma realidade e que vamos pagar um preço altíssimo se não mudarmos nossos hábitos e valores. E o que permite que florestas sejam devastadas? Interesses políticos e financeiros. Exploração animal? Interesses políticos e financeiros. Nosso consumo altamente destrutivo? Interesses políticos e financeiros… Querem entender a espiritualidade e praticá-la, mas esquecem que o primeiro passo é entender o mundo, como ele funciona e o que faz dele o que ele é. E a maior parte do que faz ele funcionar tem a ver com política e com dinheiro, e é desse lugar que nasce a pobreza, a exploração e a desigualdade social. E essa pandemia tem esfregado isso na nossa cara: quarentena não é para todos, ter muitas favelas é um problema humanitário e sanitário, tem gente que não pode comprar álcool gel e nem uma pedra de sabão. Muitos não têm sequer água. Vemos as empresas desesperadas pedindo socorro do Estado, que andava desacreditado há tempos. Isso mostra que o projeto liberal é um completo fracasso, e que é a união entre todos os poderes que faz a diferença e realmente pode transformar algo.
“Quando nosso coração está repleto de empatia, um forte desejo de eliminar o sofrimento alheio surge dentro de nós”
Perceber o quão inaceitável é uma favela é totalmente espiritual e faz parte do despertar da consciência, da separação entre quem deve habitar um planeta regenerado e quem deve ser transmigrado para orbes de prova e expiação, onde a mão do carma pesa mas é a única professora possível. Gostaria muito de entender que transformação espiritual é essa que não precisa de política nem da compreensão da realidade para acontecer. Me pergunto para onde caminhamos, se falamos em deus, espiritualidade e evolução, mas apoiamos projetos políticos que vão totalmente contra o que há de mais básico em qualquer igreja ou linha espiritual. Ajudamos a enriquecer os mais ricos e jogar na miséria a maior parte do mundo. A espiritualidade acontece muito mais na prática do que podemos imaginar e a pandemia está deixando isso muito claro.
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