O que os filósofos podem nos ensinar sobre Deus
A filosofia é uma área do conheço absolutamente incrível. Antes de existirem todas as outras disciplinas, existia a filosofia. Ciência, biologia, medicina, história, religião, política, matemática, ética… Todas essas disciplinas são filhas da filosofia. Ela é tão importante que se funde com a história humana e nela estão contidas as perguntas importantes já feitas. É disso que ela trata: de perguntas. Respostas nem sempre são dadas, mas toda o pensamento filosófico está centrado na arte do questionamento.
“Se queres a verdadeira liberdade, deves fazer-te servo da filosofia”
Nenhuma outra disciplina tratou de Deus do que a filosofia, que inclusive tem entre seus pensadores filósofos religiosos como Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Martinho Lutero, Calvino, Pascal, Giordano Bruno e tantos outros. Na verdade, quase todos os filósofos pensaram sobre o sentido da vida e a existência ou não de Deus; a reflexão sobre Deus é quase inerente à filosofia, uma das ideias mais constantes e variadas da espécie humana.
Como nasceu a filosofia?
Segundo Aristóteles, a filosofia nasce da atitude de espanto do homem em relação às coisas do mundo, que o leva a procurar explicações. Antes da filosofia, o sistema de crenças que tentava explicar o mundo era a mitologia, porém, em determinado momento, ela deixou de satisfazer os primeiros pensadores, que começaram a refletir sobre o funcionamento da natureza e o motivo da existência de tudo que podiam observar no universo natural. Esses são os primeiros filósofos, chamados pré-socráticos ou pensadores da natureza, que na Grécia Antiga começaram a explicar o mundo para além da mitologia séculos antes de cristo.
“Todas as coisas estão cheias de deuses”
Nessa procura por explicações, os filósofos sempre se depararam com o sobrenatural, ou seja, tudo aquilo que estava além do visível, e assim Deus se torna uma das grandes questões filosóficas ao longo dos últimos 2,5 milênios.
Para ilustrar a potência e profundidade de análise crítica do pensamento pré-socrático, podemos utilizar como exemplo Demócrito, que, em aproximadamente 370 a.c, postulou a primeira teoria atômica: tudo o que existe é composto por elementos indivisíveis chamados átomos (do grego, “a”, negação e “tomo”, divisível. Átomo= indivisível), disse ele. Não é chocante? O conhecimento produzido pelos primeiros filósofos é impressionante, assim como toda a produção filosófica que veio a seguir e que encanta a qualquer um. Aliás, em grego, a própria palavra “philosofia” significa a paixão pelo saber: philo= amor e sofia= conhecimento. Filosofia é o amor pelo conhecimento.
Deus na filosofia: quais as conclusões filosóficas sobre Deus?
Como já citado, a disciplina que mais se ocupou da ideia de Deus é a filosofia. Podemos dizer que existem 4 linhas de pensamento filosóficos que refletem sobre a existência de Deus:
A primeira trata da existência de Deus como causa primeira, ou seja, considera Deus a causa e motivo da existência do mundo. O Ser ingerado, onipresente, onisciente e onipotente, responsável pela criação. Aliás, baseado nesses atributos divinos, foi criado um dos mais antigos paradoxos filosóficos sobre Deus conhecidos até hoje, o Paradoxo da Onipotência: Poderia Deus criar uma pedra tão pesada, que nem mesmo ele seria capaz de carregar? Essa pergunta dá um nó na mente. Se Deus consegue criar essa pedra, não é onipotente, já que não a consegue erguer. Se Deus não consegue criar a pedra, não é onipotente pois não a consegue criar. Difícil, certo?
A segunda estabelece a relação de Deus com a ordem moral, identificando-o não como um criador e causa primeira, mas como o Bem;
A terceira se ocupa de pensar sobre a forma, sobre a relação de Deus consigo mesmo, no sentido dele ser único ou constituído de vários entes. Uma relação mais moderna que é possível utilizar de exemplo para compreender melhor esse mecanismo de pensamento é a santíssima trindade católica: Deus, o filho e o espírito santo.
A última linha de pensamento se resume em pensar a relação de Deus com os homens e se é possível para nós ou não acessar o divino, compreender a criação e os mistérios do mundo.
5 filósofos que acreditavam em Deus
Platão
Platão é, sem dúvida, um dos pensadores considerados mais esotéricos da filosofia e encontramos a metafísica em muitas de suas ideias. A matéria, diz Platão, é, por essência e por natureza, algo imperfeito, que muda constantemente passando de um estado a outro, contrário ou oposto. Assim, do mundo material só nos chegam as aparências das coisas. Ele propõe que a filosofia abandone o mundo sensível e ocupe-se com o mundo verdadeiro, invisível aos sentidos e visível apenas ao pensamento. A divisão que a filosofia platônica faz quando considera a existência de dois mundos inteiramente diferentes e separados, pressupõe a ideia da possibilidade de uma vida que preexiste o mundo e que continua após ele, onde o acesso ao mundo ideal é feito pelo conhecimento, pela consciência. A alma é, então, imortal e, após a morte, regressa a fonte de origem até que volte a viver uma nova experiência. Sobre Deus, o pensamento cosmológico de Platão concebe um criador, um artesão divino que é a causa do mundo. Chamado de Demiurgo, essa entidade teria o papel de tentar fazer seu produto mimetizar o modelo eterno das formas. A meta perseguida pelo demiurgo platônico é o bem do universo.
“Deus é verdade e a luz é sua sombra”
Baruch de Spinoza
Spinoza constrói a ideia de Deus a partir do que ele chama de substância, ou seja, aquilo que existe, seus atributos, que seriam a forma como o intelecto percebe essas coisas. Em decorrências dessas definições, Spinoza conclui: Afora Deus, não existe nem pode conceber-se substância alguma, ou por outras palavras, a substância e Deus são um e o mesmo ser. Sendo infinita sua existência e sua potência, o mundo resulta em ser também eterno, ainda que nele as coisas sejam contingentes, ou seja, podem ou não existir e ter, ou não, um fim. O mundo é infinito e eterno porque exprime a essência e a potência de Deus, que não está separado do mundo: Deus é imanente ao mundo e está em todas as coisas existentes.
“Deus é um mecanismo imanente da natureza e do universo. Deus e natureza: dois nomes para a mesma coisa”
Voltaire
Voltaire apresentou reflexões sólidas com relação a Deus no Tratado de Metafísica, uma de suas principais obras. Neste livro, ele busca compreender se Deus existe ou não: “toda a natureza, desde a estrela mais longínqua até um pedacinho de erva, deve estar submetida a um primeiro motor”. Entretanto, Voltaire discorda com os atributos divinos da tradição do Cristianismo e Judaísmo, pois, não entende que Deus possa ter qualquer semelhança com o ser humano, especialmente no que se refere a moral.
“Se o homem fosse perfeito, seria Deus”
Tomás de Aquino
Esse grande filósofo nos presenteou com uma rica e sólida reflexão sobre a existência de Deus, que pode ser resumida em 5 argumentos: via do movimento/primeiro motor;
via da causa eficiente; via do contingente e do necessário; via dos graus de perfeição e via do governo das coisas/da finalidade ser.
Contido no argumento do primeiro motor ele aponta o fato de que o mundo é feito de movimento, a constante transformação. Para Tomás de Aquino, tudo o que é movido move-se por outro e nada se move que não esteja em potência em relação ao termo de seu movimento; Ele diz que, antes do movimento, os seres estão em potência, isto é, possuem a possibilidade de se tornar diferentes do que são. Ao se moverem, a potência se transforma em ato (atualização). Então, se tentarmos regressar a uma origem, vamos perceber que é necessário ter um primeiro motor, não movido por nenhum outro senão Deus.
A causa eficiente é um argumento que observa que tudo depende de uma causa para agir e existir, ou seja, os seres precisam de uma causa para existirem, o que nos leva a conclusão de que tudo descende de uma causa primeira não subordinada e não causada: Deus.
O terceiro argumento trata da contingência e é muito semelhante às ideias do segundo argumento da causa. Nesse argumento Tomás de Aquino procura o ponto de partida na entidade dos seres contingentes, ou seja, dependente de outro ser necessário para existir. Observamos que existe seres contingentes que existem, mas poderiam não existir, por não ter em si mesmos, em sua essência, a razão de sua existência. Da possibilidade de não existir, fica a necessidade de outro ser que lhe cause a existência, onde chegamos novamente ao ser que tem em si a razão absoluta de sua existência, necessário por si mesmo, a causa e a necessidade de todos os outros: Deus.
A quarta via é aprovada pelos graus de perfeição em todas as coisas. Se, para cada coisa existente há um grau máximo, portanto, deve existir um ser que contém todos os atributos e coisas possíveis em seus graus de perfeição no máximo – e que seria gerador de todas as coisas em grau de perfeição menor.
“De Deus nós sabemos que existe, que é causa de todos os seres e que é infinitamente superior a tudo. Isto é a conclusão e o ponto culminante do nosso saber nesta vida terrena”
Por fim, temos a quinta via a prova pela ordem do universo. Se considerarmos a ordem existente no universo, desde os componentes microscópicos existentes até os gigantescos astros no espaço, a conclusão possível é de que houve uma inteligência que criou e ordenou tudo isso, já que a mágica da ordem é tão grande que o acaso não produziria essa engrenagem tão perfeita entre tudo que existe.
Religião ou filosofia?
Algumas escolas de pensamento filosófico-espiritual se distanciam da noção de religião e se aproximam mais do sistema filosófico, pois nem sempre possuem dogmas e nem ritualísticas, preceitos básicos para considerarmos um sistema de pensamento como religião.
Espiritismo
Não foi criado e sim codificado, por isso está mais próximo da filosofia do que da religião. Foi no século XIX que um cientista francês chamado Hippolyte Léon Denizard Rivail, conhecido como Allan Kardec, codificou a doutrina espírita a partir de diálogos com perguntas e respostas entre o cientista e alguns espíritos, nas sessões conhecidas como mesas girantes.
“O corpo existe tão somente para que o Espírito se manifeste”
Desse experimento nasceram cinco obras, chamadas de Codificação Espírita, publicadas por Kardec entre 1857 e 1868. A codificação é composta por O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese.
Mesmo não sendo reconhecido como ciência, o espiritismo é considerado uma doutrina de cunho científico-filosófico-religioso, voltada para o aperfeiçoamento moral do homem com a crença na existência de um Deus único, na possibilidade de comunicação com os espíritos e na reencarnação como processo de crescimento espiritual e justiça divina.
Budismo
O budismo também é envolto na discussão sobre ser uma religião ou uma filosofia de vida. Isso porque o budismo promove o exame crítico de suas próprias doutrinas e confia, em primeiro lugar, na demonstração empírica, e, em segundo lugar, na inferência racional.
“A paz vem de dentro de você mesmo. Não a procure à sua volta”
Como não trabalha com dogmas e nem com a concepção teísta em seu sistema, o budismo se aproxima muito mais de um sistema filosófico do que do tradicional âmbito religioso que estamos acostumados, embora não possa ser dissociado da ideia de religião.
Taoísmo
O taoísmo tem origem na China e é considerado uma tradição religiosa e filosófica ao mesmo tempo. Em linhas gerais, taoísmo é viver uma vida em harmonia com o “Tao”, que significa caminho, via ou princípio. Transmite a ideia de deixar fluir, de caminhar conforme a vida se apresenta e aceitar aquilo que nos acontece, especialmente o que não podemos mudar.
“No muito falar há muito desgaste. É preferível guardar silêncio.”
A principal obra que descreve o taoísmo é “Tao Te Ching”, que reúne os ensinamentos de Lao Zi. A partir do que ele escreveu é que nasce a parte filosófica do taoísmo.
Confucionismo
Um dos sistemas de pensamento mais antigos da história humana, muitos afirmam que o confucionismo não é uma religião propriamente dita, mas sim uma doutrina baseada no sistema filosófico do chinês Confúcio (Kung-Fu-Tzu), que durante o século VI a.C estabelece um elaborado sistema de moral, social, político, religioso e de ensino, baseado nas antigas tradições chinesas.
“Eu não procuro saber as respostas, procuro compreender as perguntas”
Compiladas em cinco obras, as ideias de Confúcio podem ser encontradas nos livros que são denominados Os Cinco Clássicos: Shu Ching; Shih Ching; Li Ching; Chun-Chiu e o I Ching. Entre os diversos ritos tradicionais do confucionismo estão reverência e culto aos antepassados e oferendas aos mortos.
Parece improvável, mas, apesar dos esforços para que Deus só possa ser pensado através das religiões, existem evidências muito mais racionais e cheias de sentido acerca do criador fora delas, especialmente na filosofia. Para quem é ateu ou agnóstico, o sistema filosófico é o melhor caminho para estudar a origem do mundo e o sentido da vida.
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