Diário de satsang — Tartaruga ou girafa? Por Gabhishak
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
Relatos do encontro online com o mestre Satyaprem realizado no Retiro da Primavera de 2020.
No momento em que sento com a intenção de transmitir algumas palavras sobre o encontro com a verdade (tradução aproximada de satsang); eu mesmo, não encontro nada além de um súbito vazio.
Talvez devesse falar desse vazio.
E como?
Vazio, por definição, é vazio. Sem conteúdo, empty!
Se começo a arrazoar que é assim ou assado, já deixou de ser vazio.
Se digo que me sinto assim ou assado, já estarei falando de sensação; mais uma vez o vazio se preenche e deixa de ser, no caso, vazio.
Não é tarefa simples.
Nesse momento, passados quatro dias de ‘sat’, as palavras sumiram.
A vontade de balbuciar praticamente não existe.
Bem a frente dos meus olhos, uma bela moldura com dois metros contados verticalmente. Vidro e madeira.
Ora porta, ora janela.
Depende dos olhos de quem vê.
No meu caso, já decidi: janela.
E adiante dela uma plataforma com seus oitenta metros, muito bem alicerçadas com vigorosas toras de eucalipto.
E adiante da plataforma, que está a frente da janela, um pequeno curso d’água desembarcando no canto sul da praia do Silveira, sul do Estado de Santa Catarina.
Poder-se-ia facilmente atribuir o local a qualificação de paraíso.
Bom, depende do que lhe vem à mente.
Ou do que sua mente imagina quando os ouvidos escutam sobredito adjetivo.
A mente imaginando e interpretando aquilo que os olhos e/ou ouvidos percebem foi uma das coisas que supostamente ouvi em satsang.
Não conseguirei lembrar exatamente. Aliás, conseguimos lembrar com precisão de algo? O mestre também falou sobre isso.
A memória é traiçoeira.
Tal é uma das razões pelas quais intrincada se torna a tarefa de relatar o que satsang é, o que satsang produz, se é que produz alguma coisa.
Sinto como se fosse muito mais um esvaziamento do que preenchimento.
Diferente de uma palestra, de uma ‘master class’, ou qualquer outro treinamento (mesmo aqueles com vertente espiritual), satsang remove muito mais que acrescenta. Subtrai. Não oferece um novo método; ao revés, destrói tudo que foi acumulado.
Definitivamente é um mistério que está além das palavras.
Ao menos daquelas que tenho à disposição no momento.
Traído ou não, lembro-me de outra passagem:
“O mestre é o vazio refletindo o vazio que é você”.
Tal frase não é uma frase. Não se trata somente de uma reunião ordinárias de palavras, sílabas e letras.
Tal frase é uma facada. Melhor. Uma espadada (pra usar algo mais ‘zen’) de bihänder; não de florete.
Bihänder, ou Zweihänder é o nome de uma espada super afiada, com corte em ambos os lados usadas no período renascentista. Diz-se de tal artefato que aquele que a manipulava, com um único golpe era capaz de decepar inúmeros oponentes.
É como me sinto.
Decepado. Sem cabeça.
Satsang, então, seria tal qual um encontro em que, sabendo ou não, querendo ou não, conscientes ou não, oferecemos nossas cabeças ao mestre.
Cabe a nós escolher.
Tartarugas ou girafas?
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