A importância de ensinar afeto nas escolas: construindo um futuro melhor
A escola é o primeiro ambiente onde vivenciamos a convivência social, onde aprendemos muito mais do que as matérias básicas como matemática, português e história. As memórias que temos da escola quase nunca são referentes ao que aprendemos, pois, o que nos marca mesmo são as experiências, as pessoas e o que vivemos. Infelizmente, para alguns essa experiência não é das melhores e a escola se torna um ambiente hostil, inseguro e que gera tristeza.
“As palavras sem afeto nunca chegarão aos ouvidos de Deus”
A escola com certeza deve ir além da grade curricular, e preparar o aluno para a vida. Essa visão antiga sobre a escola, com sendo um ambiente autoritário sem espaço para a afetividade tem que morrer. Os seres humanos são muito mais do que o intelecto, e devem ser tratados na sua integralidade. E a afetividade é o aspecto humano que mais deve receber atenção não só dos pais, mas também dos mestres e orientadores.
Qual a importância de ensinar sobre afeto nas escolas? Muita. Inclusive para aumentar o desempenho escolar.
A importância do afeto para o processo de aprendizagem
As demonstrações de carinho, cuidado e respeito entre professores, crianças e seus pares são fundamentais para o desenvolvimento pleno do ser. Lidar com as emoções é tão importante (talvez até mais) do que aprender a somar. A verdade é que as crianças tratadas com afeto pela família, professores e colegas têm mais chance de se desenvolver emocional e intelectualmente. Especialmente na primeira infância, que vai desde o nascimento até os cinco ou seis anos, as crianças não possuem a habilidade oral desenvolvida e usam as emoções como forma de se comunicar com o mundo. Choro e sorriso substituem as palavras e dizem aos adultos o que aquela criança precisa e também como ela está se sentindo. E é também durante esse período que a criança constrói suas bases cognitiva, emocional, motora, social e ética. Logo, quando as vivências nessa fase não são positivas, essas estruturas ficam abaladas e podem permanecer assim por toda a vida.
“O amor é uma atividade, não um afeto passivo; é um ato de firmeza, não de fraqueza… é propriamente dar, e não receber”
Segundo o pensador e psicólogo Jean Piaget, o desenvolvimento intelectual tem dois componentes: o cognitivo e o afetivo, que caminham juntos. Para ele, toda ação e pensamento são ações cognitivas, representadas pelas estruturas mentais, que são construídas pela afetividade. Tente lembrar de suas próprias experiências: quando o professor era bacana, carinhoso e paciente, você não aprendia melhor? Eu me lembro das dificuldades que tinha com matemática, a ponto de precisar de uma professora particular. E essa professora particular era simplesmente fantástica. Ela não só percebia como eu estava me sentindo, como conseguia conduzir as aulas respeitando meus limites e dando a atenção que eu precisava. Eu simplesmente amava aquela mulher chamada Priscila. Ir até a casa dela aprender matemática se transformou em meu programa favorito, e nos dias em que eu tinha aula já acordava mais animada do que nos outros dias. Resultado: eu compreendia a matéria a tal ponto que tirava dez nas provas. Quando o professor desenvolve essa relação de afeto com o aluno, esse aluno aprende com muito mais facilidade o que quer que seja. E, às vezes, um pouco de amor é tudo que uma criança precisa para vencer certos bloqueios e superar todas as expectativas.
Os aspectos emocionais influenciam o desenvolvimento cognitivo, pois é preciso ter vontade, estar confortável e principalmente feliz no ambiente escolar para querer estudar. Não há aprendizado sem afetividade. E a mesma forma que um professor amoroso consegue ensinar a matéria mais difícil que existe, um mau professor pode estragar uma disciplina para sempre. E essa afetividade tem que ir além da relação aluno professor, e se estender para o convívio entre os próprios alunos. As crianças precisam aprender sobre respeito, empatia, dividir brinquedos, ouvir nãos, esperar sua vez, lidar com suas emoções e, principalmente, sobre como interagir de forma saudável com os colegas. Esse é, sem dúvida, um dos maiores problemas das escolas e o mais negligenciado por elas. Os professores devem ser bons seres humanos além de saberem a matéria que ensinam, para formarem também bons seres humanos.
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Demonstrar afeto não é abraçar e beijar. É ouvir, é enxergar.
A afetividade passa pela compreensão. É preciso dizer a criança que sentir medo é natural, que tirar uma nota baixa faz parte da vida e encorajá-la a se esforçar mais da próxima vez. Aliás, são justamente os “alunos problema” que deveriam receber mais atenção e afeto, o que acaba não acontecendo. Sobre eles recai uma pressão imensa, uma cobrança que gera uma sensação de rejeição e incapacidade que só atrapalha seu desenvolvimento. Ora, é muito fácil ser professora daquele aluno brilhante e obediente, muito fácil. Ele quase não precisa da professora. Já aquele aluno mais complicado, esse sim é o desafio do professor, o que mais precisa de atenção e afeto. Mas, infelizmente, as pessoas preferem sempre o caminho mais fácil, especialmente quando esse caminho reforça e reflete o ego.
“Visto que nossa vida começa e termina com a necessidade de afeto e cuidados, não seria sensato praticarmos a compaixão e o amor ao próximo enquanto podemos?”
Demonstrar afeto não é abraçar e beijar. É ouvir, é enxergar além das aparências e oferecer apoio emocional e segurança. Promover uma roda de conversa no início da aula e ouvir com atenção os alunos contarem o que fizeram em casa, deixando que eles se expressem é um começo. Sentar ao lado deles enquanto desenham e perguntar sobre o que estão registrando ou acompanhar as brincadeiras e observar o que estão falando entre si são formas pelas quais o professor pode demonstrar carinho, atenção e cuidado, se colocando como um modelo de segurança e orientação que cria um ambiente agradável e que estimula o aprendizado.
Há também um trabalho mais pesado, que envolve perceber quando uma criança sofre algum tipo de abuso. Muitas vezes, a escola pode ser a única chance da criança de ser salva de um ambiente familiar abusivo. É um assunto delicado, pois, basta um erro de avaliação para destruir uma família. E é preciso olhar com o coração além dos olhos. Novamente, a afetividade demonstra sua importância no ambiente escolar. E essa consciência infelizmente tem que partir do professor, pois, os cursos de pedagogia nem sempre têm disciplinas voltadas para as diferentes demonstrações emotivas que podem surgir em uma sala de aula. Mas estando o professor preparado ou não, ele terá à sua frente uma turma repleta de sentimentos, que podem ser trabalhados de modo a desenvolver ou atrapalhar seu desenvolvimento cognitivo. Para apoiar esses profissionais, existem diversos pensadores, livros, vídeos e outros materiais que podem ajudar os professores a ensinar levando em consideração o afeto.
Ensinar respeito e igualdade também é importante
Essa é a parte mais sensível sobre a discussão em torno do papel das escolas e dos professores na orientação das crianças. O Brasil ainda peca nessa questão, pois a cultura brasileira ainda não é desenvolvida o suficiente para entender a importância que certos ensinamentos têm na formação emocional da criança. E as crianças trazem de casa certos preconceitos, que se tornam evidentes no convívio social dentro da escola. A discriminação de raça e orientação sexual, por exemplo, são grandes desafios no ambiente escolar e devem sim ser tratados dentro da grade curricular desses estabelecimentos.
É muito importante que a escola não só seja intolerante com relação a qualquer discriminação, mas também que seja a fonte desse conhecimento que humaniza as pessoas. É preciso ensinar que a orientação sexual não define o caráter e que ninguém tem o direito de agredir verbalmente ou fisicamente um colega diferente. Isso não significa promover a homossexualidade como infelizmente os pais mais conservadores pensam, mas trata-se de ensinar respeito, igualdade e empatia especialmente com as diferenças.
A questão racial também faz parte da construção da identidade e do universo emocional de uma criança, e qualquer comportamento contrário a essa noção deve ser duramente repreendido. Aliás, deve-se ir além do comportamento, pois a seleção racial que a condição social no Brasil promove já trata de separar os alunos brancos dos negros. Nas escolas particulares conta-se nos dedos as peles com melanina. E nesse ambiente uniformemente branco, às vezes nem existe espaço para o racismo mostrar sua face, já que quase sempre não existem crianças negras nesses ambientes. Independente disso, é preciso ensinar esses alunos que a cor de pele não é indicador de absolutamente nada. Aliás, a própria maneira de ensinar certas matérias já esbarra nessa questão. Eu me lembro bem de como aprendi história do Brasil na escola, especialmente a parte da escravidão. Essa passagem da nossa história quase sempre é ensinada da perspectiva errada, dando pouca ou nenhuma atenção às atrocidades que foram cometidas contra a vida humana, sem fazer a relação entre esse passado e a condição do negro na sociedade moderna. O foco fica no crescimento do país, na economia, e salta-se logo para a parte em que os imigrantes europeus chegaram para salvar o país. E fica essa lacuna entre a escravidão e as favelas, alimentando o desprezo pela cultura afro em um país de maioria negra. E nós, que adoramos os europeus, ignoramos o modelo de ensino deles que é muito mais humanizado consciente. Essa parte fazemos questão de não ver. E é justamente essa parte que ajuda a construir uma sociedade menos desigual, com mais oportunidades para todos e que reduz na raiz os índices de criminalidade e violência urbana.
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O bullying pode deixar marcas eternas
E ele acontece debaixo dos narizes dos professores, que não dão a devida atenção a ele. Tivemos sim algum progresso nesse sentido, tanto é que o que antes era considerado “brincadeira de criança” agora tem um nome e pode ser tratado com a devida importância. Alguns ainda chamam isso de “mimimi”, dizendo que zoação é saudável. Mas não é. Qualquer piada que fere a dignidade humana e humilha o outro não pode ser encarado como piada. Piada deve fazer rir, não chorar. E a importância dessa relação entre os alunos não leva em conta somente o agredido, mas também o agressor. Quem pratica o bullying também deve ser inserido nessa perspectiva de amor e receber a mesma preocupação com relação às estruturas emocionais que os que recebem as agressões.
“O bullying é uma “brincadeira” na qual apenas uma das partes se diverte, enquanto a outra sofre”
Bullying é um ato caracterizado pela violência física e/ou psicológica, de forma intencional e continuada, de um indivíduo, ou grupo contra outro indivíduo ou grupo, sem motivo claro. Como isso pode ser encarado como piadas naturais da idade? Felizmente estamos conseguindo vencer esse pensamento doente quer valida as agressões psicológicas como naturais. Atualmente o bullying é reconhecido como problema crônico nas escolas, e com consequências sérias, tanto para vítimas, quanto para agressores. Mas isso não significa que esteja sendo tratado com a seriedade que merece, pois a relação entre a escola e os pais dos alunos infelizmente é permeada pela questão financeira. Em função disso, alguns alunos recebem um tratamento diferenciado, sendo tratados com mais tolerância do que mereciam. E está afirmado esse comportamento odioso e perde-se a chance de ensinar aquela criança agressora a conviver de forma mais empática e saudável com a sociedade.
“O afeto ou o ódio mudam a face da justiça”
É preciso enxergar também o agressor como uma vítima. Seja da educação errada que recebe em casa, que incentiva esse tipo de comportamento, ou da relação também abusiva que ele mantém com os adultos e que acaba descontando e refletindo no ambiente escolar. Sim, quem faz bullying quase sempre sofre também. Segundo os especialistas, criminalistas e psicólogos, uma criança pode ser autor de bullying quando só espera e quer que façam sempre sua vontade, quando gosta de provar da sensação de poder, quando não se sente bem ou não desfruta com outras crianças, ou sofre intimidações ou algum tipo de abuso em casa, na escola ou na família, sendo é frequentemente humilhado por adultos e vivendo sob constante pressão para que tenha êxito em suas atividades.
A escola tem que ser um ambiente de amor, de onde vamos carregar boas lembranças da infância e da adolescência, essas épocas tão mágicas e importantes para nós. É é no ambiente escolar que recebemos as nossas primeiras lições sobre afeto. Por isso, introduzir o afeto como valor pétreo no ambiente escolar é uma das formas de construir um futuro melhor, através da educação que damos às nossas crianças.
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