Entrevista com Mônica Vitorino
Entrevista com autor convidado WeMystic: Mônica Vitorino
Dra. Mônica Vitorino
Veganismo esportivo: bem-estar e resultado… muito além da proteína
Ao longo de anos, houve um estigma associado ao veganismo. Muitos zombaram da ideia de que força atlética, resistência ou estética pudessem ser alcançadas sem consumir grandes quantidades de carne, ovos e laticínios. Mas, à medida que o veganismo foi ganhando espaço, credibilidade e atingiu a comunidade esportiva, podemos dizer que a soberania dos onívoros nas academias e esportes de alto rendimento está com os dias contados. Você não precisa escolher entre se sentir bem com seu corpo e estar em paz com a sua consciência. Dá pra ter os dois! E quem explica — e desmistifica — o assunto pra você é a nutricionista clínica e vegetariana Mônica Vitorino. #GoVegan
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Seu interesse e contato com a alimentação sem produtos animais teve origem ainda durante os estudos de nutrição. Como ocorreu esse processo de transformação com você? O que te motivou a buscar conhecimento sobre alimentação consciente e toda essa relação entre corpo, mente e alimento?
Desde criança não gostava de comer animais. Quando no curso de graduação de nutrição aprendi que a proteína referência para estudos, ou seja, que tem o maior score de aminoácidos essenciais era o ovo percebi que a carne era totalmente desnecessária. Então parei de ingerir carnes na escola. Isto no ano de 1984, em uma escola tradicional de nutrição, totalmente onívora.
A minha maior motivação foi mesmo estar em uma escola que deveria propagar a saúde, como também o meu amor pelos animais. Sempre tivemos gatos e galinhas em casa e me questionava porque matar as galinhas e não os gatos…assisti ao sacrifício da morte de muitas. Me lembro sempre do pescoço partido com uma faca e o sangue sendo colhido em um pote.
Não as comia e sentia um dó profunda destes animais inocentes. Também naquela época tive acesso a alguns livros interessantes que eram de alimentação natural e me fizeram entender uma conexão muito sutil entre nós seres humanos e a natureza. Alimentos, ervas, sol, meditação tudo passou a ser entendido como nutrientes para mim.
Assim conheci naquela época uma extinta clínica em São Lourenço que fazia o tratamento todo natural, sem açúcar e vegetariano, digo, sem nada animal. Na época foi uma revolução muito grande em minha busca profissional e como ser humano. A partir daí continuo a trilhar este caminho.
O mais importante são “as escolhas e a combinação dos alimentos. Não adianta um vegetarianismo baseado em alimentos super processados, fast foods, refrigerantes, açúcar, frituras mesmo sendo a base de vegetais. A reeducação alimentar neste caso tem um peso maior. Veganismo é uma forma de viver baseada na ética animal e não necessariamente na saúde do ser humano. Particularmente considero fundamental a união destes dois aspectos.”
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Existem muitos mitos a respeito da soja, a queridinha do veganismo. Há quem afirme que seu consumo é prejudicial especialmente para homens e crianças, devido a presença de uma substância vegetal parecida com o hormônio feminino. Essa composição realmente oferece algum risco ao desenvolvimento e qualidade hormonal dessas pessoas?
A proteína isolada de soja contém sim as isoflavonas, porém, estudos recentes apontam que elas agem na inibição de uma enzima chamada aromatase e por isto impedem que o organismo masculino converta a testosterona em estrógenos ou hormônios femininos. Neste caso a isoflavona age especificamente na enzima 5-a redutase inibindo a ação em conversão da testosterona em DHT.
Desta forma, estes estudos afirmam que a isoflavona não oferece risco ao desenvolvimento e qualidade hormonal do sexo masculino. Crio aqui um parênteses quanto ao plantio e produção da soja que é uma monocultura que devasta o solo, trazendo muitos prejuízos ambientais. Por isto sim, não usar a soja sendo vegano.
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Em termos de suplementação proteica, a proteína isolada da soja pode ser a alternativa de melhor custo-benefício ao Whey Protein, por exemplo. No entanto, não é a fonte mais completa para a obtenção de aminoácidos. Quais são as opções vegetais de suplementação que uma pessoa tem para manutenção e aumento de massa magra?
O melhor tipo de proteína para anabolismo é a que tem uma maior quantidade de BCAAs (aminoácidos de cadeia ramificada) e poder insulino trópico melhor. Se se encontra suplementos com soja orgânica, destinada a humanos, podemos então fabricar domesticamente um shake com proteína isolada de soja acrescentando BCAA. Isto torna o suplemento com qualidade de proteína 100% comparada ao whey.
Além disto, a isoflavona presente na soja aumenta a produção do GH (hormônio do crescimento) e consequentemente exerce papel importante no crescimento e desenvolvimento da musculatura, diminuição dos níveis de glicose no sangue e dos níveis de gordura corporal. Porém a soja é alergênica, geralmente transgênica e não sabemos da sua procedência. Sabendo que o acesso à quantidade recomendada de aminoácidos essenciais por vegetarianos é através de uma fonte de cereais combinada com uma fonte de leguminosas, os suplementos compostos por ambos é excelente.
As proteínas de arroz, lentilha e ervilhas tem menos chances de serem transgênicas e Além do mais a proteína vegana é hipoalergênica, pouco inflamatória, de melhor digestão e menor teor de sódio comparada ao suplemento animal. Outra coisa é que ervilha, lentilha e arroz trazem características bem distintas e uma boa opção são os suplementos que eles vem em conjunto.
“Os aminoácidos essenciais que necessitamos para a formação de massa muscular estão amplamente oferecidos no reino vegetal pelos cereais e leguminosas. O ganho de massa muscular está baseado necessariamente em alguns princípios: alimentação, treino, controle do stress e sono.”
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Muitas pessoas passam a ter conhecimento sobre a famigerada vitamina B12 só a partir do momento em que se tornam veganas. Considerando que essa vitamina é majoritariamente encontrada em alimentos de origem animal, quais são as opções que vegetarianos estritos têm para obtê-la? No caso de deficiência, quais os prejuízos que a falta de B12 pode ocasionar?
Vegetarianos estritos obtém B12 através de suplementos. Não existe fonte vegetal de B12. Portanto chlorella, spirulina, levedo de cerveja não possuem B12 e sim a sua forma análoga, isto é, é uma forma semelhante em estrutura mas não exerce função. Pesquisas estão realizadas no intuito de fazer adubação de plantas com B12. Os resultados foram promissores para a incorporação da vitamina no vegetal. No caso foi realizada com o agrião.
A segunda parte da pesquisa será realizada para saber se esta vitamina do agrião será absorvida pelo nosso organismo. Quanto a deficiência, sendo uma vitamina essencial para a síntese de DNA, RNA e mielina e formação dos glóbulos vermelhos a sua deficiência causa sérios danos como fadiga e fraqueza, anemia perniciosa, falta de ar; palpitações, dificuldade visual, perda da sensibilidade e formigamento nas mãos e nos pés, falta de equilíbrio, perda da memória e confusão mental, possibilidade de demência, que pode ser irreversível, falta de apetite e perda de peso, sentimento de tristeza recorrentes sem razão aparente, feridas na boca e na língua frequentemente, irritabilidade.
Nas crianças, a deficiência dessa vitamina também pode causar dificuldade de crescimento, atraso no desenvolvimento geral e anemia megaloblástica. Além do vegetarianismo estrito, a doença de crohn, a falta de fator intrínseco um fator que fica no estômago e que é necessário para que a B12 seja absorvida), a idade, hipocloridria, uso de anticoncepcionais por exemplo são também fatores que causam deficiência de B12.
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Em 2018, o documentário The Game Changers foi responsável por despertar a curiosidade de muitas pessoas com relação ao desempenho atlético de veganos e vegetarianos. Por outro lado, alguns profissionais o consideraram tendencioso, e que tudo não passou de uma propaganda sobre o veganismo. Qual é a sua opinião sobre essa repercussão?
Achei super importante o documentário que veio quebrar paradigmas e mostrar que na prática o veganismo funciona e muito bem para atletas, inclusive de performance. Tirou duvidas de muitos iniciantes, incentivou quem gostaria de modificar a alimentação e tem receios. Que venham outros!
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Alguns artigos e documentários insinuam que adotar uma dieta vegetariana estrita pode proporcionar uma melhora na disposição física e no rendimento atlético. Esses aspectos estariam mais relacionados com a transição para o veganismo, propriamente dito, ou apenas com uma questão de reeducação alimentar?
Nem sempre uma alimentação vegana, sem produtos animais e com as empresas eticamente escolhidas, é uma alimentação sadia. Quando bem conduzida proporciona sim maior bem estar por conter alimentos anti-inflamatórios, fitoestrógenos, gorduras de boa qualidade, fibras, vitaminas e minerais de excelente absorção.
Portanto o que mais vai trazer esta melhora são as escolhas e a combinação dos alimentos. Não adianta um vegetarianismo baseado em alimentos super processados, fast foods, refrigerantes, açúcar, frituras mesmo sendo a base de vegetais. A reeducação alimentar neste caso tem um peso maior. Veganismo é uma forma de viver baseada na ética animal e não necessariamente na saúde do ser humano. Particularmente considero fundamental a união destes dois aspectos.
“Não há mistérios na alimentação baseada em plantas, a não ser o criado pela mente, cultura e mídia. Regra básica para quem treina: à medida que o treino for aumentando a intensidade, aumente também a ingestão calórica. Outra forma de alcançar as necessidades calóricas é através de boas gorduras como azeite, oleaginosas, coco.”
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Ganhar massa muscular com uma dieta vegetariana é mais difícil que numa alimentação onívora ou esse é apenas um mito que precisa ser esclarecido?
É apenas mais um mito. É possível manter a resistência física e a força muscular com a alimentação vegetal. Para isto é importante também manter aporte de calorias e micronutrientes (vitaminas e sais minerais, encontradas em frutas e folhosos) além do proteico. Os aminoácidos essenciais que necessitamos para a formação de massa muscular estão amplamente oferecidos no reino vegetal pelos cereais e leguminosas.
O ganho de massa muscular está baseado necessariamente em alguns princípios: alimentação, treino, controle do stress e sono. E o sono e o controle do stress estão ligados também aos probióticos. Então é tudo unido. Cada função do organismo complementa a outra e dependem da individualidade bioquímica de cada um.
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Uma dieta esportiva “tradicional” geralmente é muito rica no consumo de ovos e carnes magras, como peixes e frango. A substituição dessa ingestão por fontes vegetais traria quais impactos para o desempenho atlético e a saúde de um indivíduo?
A típica alimentação tradicional ocidental normalmente excede a recomendação proteica e a substituição trará somente resultados positivos. Proteínas animais deixam resíduos ácidos que dificultam a formação de músculos. Sangue ácido significa ação hormonal prejudicada e danos celulares. Estar livre deste stress oxidativo, da lactose também faz toda diferença para o desempenho e saúde do atleta.
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Há um mito de que todo vegano é magro. No entanto, só acredita nessa afirmação aquele que não conhece o lado “junk food” de uma alimentação à base de vegetais. Frituras, empanados e recheados também estão no cardápio, e podem tornar uma alimentação vegetariana tão perigosa quanto a onívora. Quais são as dicas que você pode dar a uma pessoa em transição para o veganismo e que deseja reeducar seu paladar?
A dica que deixo é de sempre optar por comida de verdade. Queijos animais são alimentos muito viciantes pois formam um composto chamado caseomorfina que criam verdadeira dependência. Portanto, para os amantes desta droga lícita conhecer os queijos vegetais e adaptar o paladar é uma grande libertação. A dificuldade em quebrar hábitos antigos, creio ser uma das maiores dificuldades.
Outra coisa é ir no seu tempo: existem pessoas que deixam os produtos animais de uma só vez, outros que vão retirando aos poucos em quantidade e/ou tipo, outros que fazem rodízios na semana entre uma e outra forma de alimentar. A forma de mudança deve ser suave e segura.
Montar o prato sempre com grãos, cereais, legumes e folhas. Cada um ocupando um quarto do prato. Imagine o seu prato vazio dividido em quatro e monte com cada um deste grupo ocupando uma porção de ¼. Outra dica e de ter sempre um curinga nas mãos quando sair de casa: um potinho de sementes e oleoginosa, ou fruta de fácil acesso, algo que você goste. Isto com certeza irá garantir o sucesso pois hábitos são mudados lentamente.
“Não entre no modismo e conte com alimentos simples que temos diariamente. Existe uma mídia pesada, uma indústria cara e desnecessária na alimentação vegetal fitness.”
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Uma das maiores preocupações de quem quer se tornar vegano é suprir em quantidade e qualidade os níveis de proteína. Qual a melhor forma de equilibrar todos os aminoácidos essenciais e ainda administrar a ingestão mais elevada de carboidratos inerente a essa dieta?
A melhor forma de equilibrar é ter leguminosas e cerais ao longo do dia . O acesso a quantidade recomendada de aminoácidos essenciais para vegetarianos vem através da ingestão de cereais e leguminosas. Para administrar a ingestão mais elevada de carboidratos é muito simples: raízes, frutas, oleoginosas.
Não há mistérios na alimentação baseada em plantas, a não ser o criado pela mente, cultura e mídia. Regra básica para quem treina : a medida que o treino for aumentando a intensidade, aumente também a ingestão calórica. Outra forma de alcançar as necessidades calóricas é através de boas gorduras como azeite, oleoginosas, coco.
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Especialmente na dieta vegetariana fitness, ainda há uma grande deficiência de informações, fazendo com que muitas pessoas busquem dados, receitas e dietas baseados em hábitos de outros países — usando como ingredientes alimentos caros e de difícil acesso. Como adaptar essa alimentação de forma balanceada para a prática de atividades físicas, mas usando o que o Brasil tem a oferecer naturalmente em seu território?
É somente não entrar no modismo e contar com alimentos simples que temos diariamente. Existe uma mídia pesada, uma indústria cara e desnecessária na alimentação vegetal fitness. Pesquisar os grupos de alimentos e fazer as adaptações. Nada mais.
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O veganismo ainda é um movimento muito recente, e se você deseja seguir esse estilo de vida, precisa aprender a cozinhar. Numa realidade onde temos pouco tempo para elaborar pratos ou até mesmo organizar uma rotina alimentar, quais dicas você pode dar para otimizar o preparo das refeições sem perder em sabor e qualidade nutricional?
Não acredito que seja preciso cozinhar para seguir a alimentação vegana. Hoje temos muitas opções, além do que o prato vegano não necessita de nada diferente quando pensamos no hábito brasileiro de arroz e feijão. Mas par quem deseja cozinhar, manter alimentos fermentados é muito sadio e tem vida longa. Sempre ter grãos já cozidos, congelados ou germinados. Pastas básicas como de grão de bico, feijão branco, de gergelim, semente de girassol, dentre tantas. Legumes pré cozidos congelados, ralados ou fermentados assim como os hamburguers de grãos.
Ter as folas já lavadas na geladeira. Sugiro um dia da semana na cozinha para os pré preparos. Existem aquelas pessoas que optam também por já deixar a salada no pote. As folhas do suco verde higienizadas, processadas e congeladas ou simplesmente congeladas. A variedade e criatividade são muito bem vindas na alimentação vegana.
Biografia
Mônica Vitorino é Nutricionista Clínica e Funcional, graduada pela Universidade Federal de Ouro Preto (MG) em 1988.
Desde quando era estudante, optou por pesquisar sobre a alimentação sem produtos animais, assim como a Naturopatia.
Atualmente, realiza atendimentos clínicos em seu próprio consultório na cidade de Belo Horizonte (MG) com o objetivo de proporcionar equilíbrio e nutrição ao organismo de seus pacientes, os auxiliando a alcançarem conhecimento suficiente para a manutenção de uma boa saúde.