Veganismo: quando a verdade esbarra no mercantilismo
Entrevista com autor convidado WeMystic: Dra. Marieli Nimtz del Grande
Dra. Marieli Nimtz Del Grande
Veganismo: quando a verdade esbarra no mercantilismo
Preocupação com a saúde, ética e o cuidado com o meio ambiente: estes serão os alicerces da cultura vegetariana. Mas e como promover estes princípios junto da comunidade sénior? Mudar o estilo de vida ou inserir novas dietas a idosos pode ser um grande desafio. Pensando nisso, fomos procurar ajuda profissional. Falamos com a Dra Marieli Nimitz, médica, vegana, pós graduada em nutrologia e que nos ajudou a descomplicar essa temática de forma tão clara, simples e assertiva.
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Nos conte um pouco sobre a sua relação com o veganismo. Como tudo começou? Você passou por algum tipo de gatilho ou epifania que fez mudar seu envolvimento com os animais e o meio ambiente?
Meu caminho no veganismo começou em 2009, li um livro que falava dos malefícios do consumo de produtos de origem animal. Pronto me decidi. Mas na época tinham poucos produtos e eu tinha uma tutora na época, que me disse que tinha que ser uma bandeira e não teve empatia. Por isso me mantive apenas ovo-lacto, isso durou até 2011 quando engravidei. Minha obstetra na época se mostrou preocupada e então desisti de tudo.
Fiquei em uma zona de conforto, mas sempre me preocupei com o meio ambiente. Ja não tinha produtos de origem animal (sempre abominei uso de couro, pele, rodeios…) exceto no prato. Assisti “What the Health” e “Cowspiracy” [clique abaixo para ver os trailers desses documentários] e voltei a ser ovo-lacto, marquei a consulta com a nutricionista e sai de lá vegana. Isso foi em 2017.
What the Health
Cowspiracy
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Obviamente, a principal razão pelas quais as pessoas se tornam veganas é devido aos maus tratos, exploração e abate de animais pela indústria. Existem outros motivos que levam alguém a adotar o veganismo como estilo/filosofia de vida?
Sim. Preocupação com a saúde, ética e o cuidado com o meio ambiente.
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Se você pudesse listar 3 lições que você aprendeu ao longo dessa jornada, quais seriam elas?
• Depois que você se torna vegano, sua sensibilidade aumenta para outras causas;
• É mais fácil do que a maioria pensa;
• Prepare-se para grosserias e “brincadeiras” sem graça, o vegano incomoda.
A verdade esbarra no mercantilismo da saúde, a indústria alimentar e farmacêutica. Sempre procuro explicar direitinho, sanar as dúvidas e explicar o motivo daquelas crenças. Temos que ficar atualizados na ciência e nas fakenews.
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Devido a hábitos mais enraizados por conta da idade, mudar o estilo de vida ou inserir novas dietas a idosos pode ser um grande desafio. Parar de comer carne e abrir mão do leite, por exemplo, pode soar como um grande absurdo. Pensando nessa barreira, quando uma dieta vegetariana estrita é recomendada a essas pessoas? E como começar a inserir essa mudança?
É realmente difícil. Temos que abordar os benefícios no tratamento e prevenção de doenças. A enzima que digere a lactose (lactase) diminui com a idade, nos idosos a ingestão de leite e derivados provoca mais frequentemente diarreia, refluxo e cólicas.
A gordura saturada presente nas carnes é um dos maiores vilões do colesterol. Carnes e embutidos estão relacionados a diversas neoplasias. Enfim, é benéfico para todos, temos que focar no que trará maior ganho para cada paciente.
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Deficiência nutricional, depressão, doenças cardíacas e até demência já foram associadas com a dieta vegetariana, ainda que já desmistificadas por profissionais da área. Como é para você ter de lidar e constantemente argumentar contra esse tipo de invalidação do vegetarianismo?
A verdade esbarra no mercantilismo da saúde, a indústria alimentar e farmacêutica. Se o profissional de saúde tem milhares de seguidores e fotos bonitas nas redes sociais, o que ele falar vira lei. Há quem se beneficia com o adoecimento da população: se a cura for pelo estilo de vida, seus lucros estarão comprometidos. Sempre procuro explicar direitinho, sanar as dúvidas e explicar o motivo daquelas crenças. Temos que ficar atualizados na ciência e nas fakenews.
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Outro mito sobre ser vegano/vegetariano é que se gasta muito mais em uma dieta à base de vegetais do que em uma alimentação onívora. Até em que ponto isso é verdade?
Com o aumento do veganismo as indústrias correram atrás para lucrar em cima. Temos todo tipo de junk food vegano, que via de regra é mais caro que o produto original. Se você viver de industrializados veganos será bem caro, ao passo que se você tirar os produtos de origem animal e caprichar no arroz com feijão e aumentar o consumo de vegetais será mais barato.
Temos todo tipo de junk food vegano, que via de regra é mais caro que o produto original. Se você viver de industrializados veganos será bem caro, ao passo que se você tirar os produtos de origem animal e caprichar no arroz com feijão e aumentar o consumo de vegetais será mais barato.
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Muitas pessoas têm vontade ou curiosidade de iniciar uma dieta vegetariana. Entretanto, ainda há um certo questionamento acerca do consumo de agrotóxicos, uma vez que a alimentação passa a ser estritamente vegetal. Considerando o elevado custo de produtos orgânicos, quais são as dicas para minimizar a ingestão desses “venenos”?
Se houver possibilidade, sempre recomendo comprar de pequenos produtores, agricultura familiar. Caso não possa, sugiro deixar os alimentos em água com bicarbonato por 15min e depois em água com vinagre por 15 min antes de consumi-los.
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Ainda relativamente ao consumo de agrotóxicos, uma dieta vegetariana realmente apresenta mais riscos que a onívora? Ou alimentos de origem animal também podem prejudicar nossa saúde devido a pesticidas, antibióticos e outras substâncias?
O consumo de agrotóxicos é potencializado quando se come animais, pois estes consomem vegetais e acumulam em seus tecidos os agrotóxicos (bioacumulação). O uso de agrotóxico tende a ser maior em produtos que se destinam aos animais.
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Nos últimos anos, o veganismo vem se tornando uma tendência, inclusive com celebridades e influenciadores digitais adotando posturas a favor do bem-estar animal e da sustentabilidade. Você acredita que o futuro está realmente inclinado a uma drástica redução no consumo de carne e derivados de animais?
Sim, acredito que as pessoas estão mais atentas a degradação do planeta e que temos que mudar nossos hábitos de vida.
O acompanhamento de um profissional faz toda a diferença: saber que está comendo tudo o que precisa é fundamental. Escolha alguém que você confie, que sinta segurança em se abrir sem ser julgado, que funcione mais como um companheiro nessa jornada que como um policial.
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Cada vez mais é comum vermos grandes marcas, incluindo frigoríficos e empresas que ainda testam alguns de seus produtos em animais, lançando linhas veganas, 100% vegetais, “feitas à base de plantas”, dentre outros rótulos. Na sua opinião, esse tipo de indústria deve ser incentivado ou não?
(Nossa que pergunta!) É bem complexo… Se a gente compra dessas indústrias elas terão mais dinheiro e matarão mais, então financiamos o crime.
Se a gente não comprar pode parecer que não há público e irão desistir da ideia… Eu penso que temos que consumir para que sejamos percebidos e que com a amplitude desse mercado as indústrias destinem mais para estratégias sem crueldade e sustentáveis. Mas é bem complicado…
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Com o avançar da idade, naturalmente sofremos com deficiências e desgastes. Como uma pessoa com problemas como diabetes, hipertensão ou mesmo osteoporose pode se beneficiar com uma alimentação vegetariana estrita?
Como já disse, a gordura saturada presente nas carnes é um dos maiores vilões do colesterol e também atrapalha o metabolismo da glicose, piorando o diabetes. Carnes e embutidos além da gordura geralmente tem mais sal e aumentam a pressão. Já na osteoporose temos que nos atentar para níveis adequados de vitamina D (exposição solar) e ingestão de cálcio. O leite e derivados constituem a principal fonte em dietas tradicionais e mesmo assim temos que usar suplementos para atingir os níveis recomendados.
A enzima que digere a lactose (lactase) diminui com a idade, nos idosos a ingestão de leite e derivados provoca mais frequentemente diarreia, refluxo e cólicas. Para meus pacientes recomendo investir em alimentos ricos em cálcio como as brássicas, feijão branco, leite vegetal com cálcio e monitoro com exames para suplementar adequadamente.
Prepare-se para grosserias e “brincadeiras” sem graça, o vegano incomoda.
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Para aqueles que desejam se tornar veganos, por onde começar? A transformação deve ser imediata ou está tudo bem ir retirando alguns alimentos aos poucos? E quanto a questão filosófica? Qual a melhor forma de se ter contato com o que realmente acontece na indústria e os impactos da exploração?
Cada um tem seu caminho, o meu por exemplo não deve ser modelo para ninguém… apenas do que não fazer. Não podemos menosprezar a força de vontade que alguns têm e conseguem dormir onívoros e acordar veganos. Outros demoram um pouco mais, tendo apego afetivo com alguns produtos…
Enfim, recomendo que a pessoa tire os produtos de origem animal do prato, sem colocar outra coisa no lugar… fazer aquele pratão de arroz com feijão e salada, comer frutas e explorar os sabores naturais… O acompanhamento de um profissional para mim fez toda a diferença, saber que eu estava comendo tudo o que eu precisava foi fundamental.
Escolha alguém que você confie, que sinta segurança em se abrir sem ser julgado, que funcione mais como um companheiro nessa jornada que como um policial. Para saber mais sobre a indústria e os impactos de nossos hábitos na nossa saúde e planeta eu recomendo alguns documentários, mas confesso que não preciso ver sofrimento animal, me machuca demais, por isso não assisti os que têm esse foco.
Biografia
Médica graduada pela Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo em 2004. Possui pós graduação latu sensu (2009 e 2010) em promoção da saúde pela Universidade de São Paulo. Residência em Clínica Médica e Geriatra e Pós-graduada em Nutrologia (ABRAN). Avaliação Metabólica e Nutricional do Onívoro ao Vegetariano com Dr. Éric Slywitch.