Eutanásia: direito humano ou pecado mortal?
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
“Os suicidas, mesmo os que planejam a morte, não querem se matar, mas matar a sua dor”
Eutanásia é um assunto muito polêmico, especialmente do ponto de vista espiritual e está no centro de um debate público acerca do valor da vida humana, do ponto de vista prático, ético e religioso. Mesmo para quem é ateu, terminar com uma vida é um tabu enorme e causa enorme desconforto só o fato de falar sobre o tema. Quando Deus entra na jogada, a questão fica ainda mais complicada. Podemos dizer que, além da religião, o amor que temos pelas pessoas nos impede de pensar de forma mais imparcial e razoável sobre o assunto. Amamos tanto, queremos tanto que uma determinada pessoa continue viva, que não importa as condições que ela vai enfrentar desde que continue conosco. Quando se trata de um filho, é ainda mais complicado.
Será que podemos controlar a vida? Determinar quando é hora de terminar a existência? Até que ponto cabe a nós escolhermos em quais condições a vida merece uma chance e, em quais, não?
A eutanásia – do grego “boa morte”
Eutanásia vem do grego e significa “boa morte” e o termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623, na sua obra Historia vitae et mortis. Em termos técnicos, eutanásia é o ato intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor, para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou muito dolorosa. Entre os motivos mais comuns que levam os doentes a pedir uma eutanásia, estão a dor intensa e insuportável, a diminuição permanente da qualidade de vida por condições físicas como paralisia, falta de ar, dificuldade em engolir, náuseas e vômitos constantes.
A favor da eutanásia, temos o argumento bem razoável sobre as próprias pessoas poderem tomar decisões sobre seus corpos e sua vida, não cabendo ao Estado regulamentar e legislar sobre a esfera privada. Contra ela, temos basicamente o argumento religioso: terminar com a vida é contra a vontade de Deus.
Esse último argumento é muito forte, mas um pouco hipócrita. Quem prega ele, tem uma visão distorcida sobre o valor da vida: são contra o aborto e a eutanásia, mas a favor da pena de morte. No Brasil, popularizou-se uma expressão terrível que diz “bandido bom é bandido morto”, vindo de pessoas que se dizem pró-vida. É, no mínimo, engraçado observar como os valores atrelados à vida humana são frágeis e logo esquece-se de Deus e do que vai ou não contra sua vontade.
Clique Aqui: O Suicídio segundo a visão do Espiritismo
A prática da Eutanásia no Mundo
A eutanásia é proibida na maioria dos países, no entanto, dentro da lei o médico pode decidir não prolongar a vida em casos de sofrimento extremo e administrar sedativos, mesmo que isto diminua a esperança de vida.
Ainda há muita confusão em torno do tema, já que a eutanásia se confunde com o suicídio assistido, quando são fornecidos ao paciente os medicamentos e a assistência para encerrar com vida. O suicídio assistido é o processo que é legalizado na Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Colômbia, Canadá e cinco estados norte-americanos. Já a eutanásia involuntária é proibida e considerada homicídio em todo mundo, que é quando terceiros decidem sobre a vida do paciente ou quando é necessário que um terceiro injete medicamentos que abreviem a vida. Mesmo nos países em que a eutanásia voluntária é legal (suicídio assistido), a prática da eutanásia involuntária é considerada homicídio se não estiverem cumpridas determinadas condições.
Como os povos antigos tratavam esse tema?
A eutanásia era praticada por diversos povos antigos, como, por exemplo, os celtas, gregos e romanos, que preparavam bebidas venenosas para certas classes da sociedade, além de disponibilizar para todos os cidadãos meios para cometer suicídio. Era costume entre os antigos -por respeito e preservação da segurança, matar idosos, doentes, deficientes e feridos, para que não fossem devorados pelas feras, não as atraíssem e também fossem preservados da crueldade dos inimigos. Um processo muito próximo do que encontramos entre muitos animais na natureza.
Na Índia, os velhos e doentes eram levados para as margens do rio Ganges, onde tinham a sua boca e narinas tapadas com lama sagrada. Na Birmânia, doentes incuráveis eram enterrados vivos. Eslavos e escandinavos também apressavam a morte de seus pais enfermos, como forma de demonstrar amor e respeito. Em Esparta, as crianças nascidas com deficiências físicas eram jogadas do alto do monte Taigeto, para não prejudicarem a vida de seus pais e do Estado.
Na Grécia antiga, Platão, Sócrates e Epicuro falavam a favor da eutanásia, defendendo a ideia de que o sofrimento causado por uma doença justificava o suicídio. Platão encorajava velhos, doentes terminais e deficientes a se matarem, para ajudar a sociedade a progredir. Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, entretanto, condenavam o suicídio assistido. Hipócrates era contra a eutanásia, deixando esse registro bem claro em seu juramento:
“A ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem conselho que o induza à perdição”
Apesar de admitida na antiguidade, a eutanásia recebe a condenação oficial com o aparecimento das religiões cristãs e o tratamento moral e religioso que elas impõem aos temas humanos.
Clique Aqui: O luto e o poder da vida: uma reflexão
Eutanásia animal: a vida perde um pouco de valor…
Tabu entre humanos, quando se trata de animais a vida perde um pouco seu valor e o tema é tratado com mais naturalidade. Na alimentação da maior parte das pessoas, enfrentamos a morte e o sofrimento animal como parte da vida e não fazemos do tema uma polêmica muito grande. Só de uns tempos para cá e é que o assunto vem sendo discutido e as pessoas estão mais dispostas a mudarem hábitos alimentares para evitar sofrimento animal.
Quando é o nosso bichinho de estimação que está doente e não um familiar, facilmente recorremos a eutanásia como forma de amenizar o sofrimento daquele serzinho que amamos. Lidamos com a eutanásia animal de forma muito mais natural.
Os critérios para indicação de eutanásia animal são: animais gravemente feridos, com impossibilidade de tratamento, com doenças terminais em intenso sofrimento e animais idosos sem recursos possíveis para atender às suas necessidades.
Esse é mais um indício que a vida não é tratada da mesma maneira, independente da crença em Deus. Dizemos que a vida é dada por ele, no entanto, nós nos sentimos à vontade para diferenciar os tipos de vida e dizer qual delas têm mais valor. Dizemos que somente Deus pode saber quando é o momento de uma vida chegar ao fim, porém, não temos nenhum problema e nos alimentar do sofrimento e nem muito menos de acelerar a passagem do pet doente. Neste último caso, considero muito humano: deixar o animalzinho sofrer sem nenhuma esperança de melhora e por tempo indefinido, é muito cruel. Se algo pode ser feito, porque não fazer? Porquê não abreviar o sofrimento de quem amamos, quando é inevitável?
Não quero levantar nenhuma bandeira, incitar uma determinada dieta alimentar e condenar outra, ou dar a resposta final sobre como devemos tratar nossos doentes terminais. O intuito é promover uma reflexão sobre a hipocrisia que temos quando lidamos com certos temas. Aliás, para enriquecer a reflexão, vale citar uma das últimas decisões do STF – unânime por sinal – de que sacrifício de animais em cultos religiosos é constitucional. Agora, imaginem só o STF tomando a mesma resolução no caso da interrupção da gestação e da eutanásia. Seria um inferno na terra brasileira e teríamos um revolta imensa, especialmente da camada religiosa da sociedade.
Eutanásia: sim ou não?
Em termos práticos, tendo sempre a pensar que, tudo aquilo que diz respeito a nossa própria vida, deve ser decidido por nós. Somente nós podemos arcar com as consequências de nossas escolhas e, se isso significar desagradar a Deus, o acerto de contas fica também ao nosso critério.
“É muito complicado e é muito difícil. É um passo enorme. Para mim, é muito importante garantir que todos saibam que nós fizemos de tudo. Mas algumas pessoas são incuráveis. Se você não ajuda essas pessoas com isso, eles vão eventualmente fazer o pior, cometer suicídio”
Temos a terrível mania de querer impor nossa religião ao outro e mesclá-la com as funções do Estado, retirando a autonomia do ser de legislar sobre si próprio. Deveríamos estar amadurecidos o suficiente para permitir que pessoas tomem decisões que não estão de acordo com nossas crenças, e, de acordo também como nossas crenças, deixá-las resolver com Deus suas pendências. Não temos o direito de obrigar ninguém a viver, nem muito menos a morrer.
Em termos espirituais, tudo faz parte do aprendizado que a nossa existência individual proporciona. Se programamos uma encarnação aonde vamos enfrentar uma doença que traz muito sofrimento e, em determinado momento, mudamos de ideia, o problema é nosso e não da sociedade. É uma decisão individual e mesmo o fato de não termos suportado a programação e desistido, é também fonte de aprendizado e nos servirá no futuro.
Cabe a nós decidir sobre nossa vida e nada vai mais contra a lei divina do que cercear o livre-arbítrio de alguém. Se o próprio Deus se baseia na livre escolha para completar sua criação, que direito temos nós de decidir o que é melhor para o outro? De dizer o que o outro pode ou não pode realizar, de acordo com nossas crenças e experiências próprias? A eutanásia pode significar abrir mão do egoísmo. Aprender a deixar ir, aprender que nem tudo gira em torno de nós, da nossa vontade, nem muito menos da nossa religião. Algumas vezes o amor pode estar inclusive na morte e a eutanásia vem nos ensinando isso.
“Acredite na justiça, mas não a que emana dos demais e sim na tua própria”
Deixemos que os outros decidam por si e que eles mesmos se entendam com Deus. O máximo que nos cabe fazer, por eles e por nós mesmos, é rezar pelo melhor.
Saiba mais :