Prova de amor: o que mudou na sua família com a pandemia?
O isolamento é mesmo uma grande mudança. Vivemos um momento histórico muito intenso e que vai nos transformar profundamente. Isso não quer dizer que vamos sair disso melhores, evoluídos, mas o fato é que na história é isso que acontece. As guerras, pandemias ou grandes desastres naturais nos marcam, nos transformam.
Antes da pandemia o que mais víamos nas redes eram posts exaltando a família, construindo a imagem da família perfeita. Amávamos, exaltamos e sentíamos muito não termos mais tempo para eles. Agora, nos deparamos com índices altíssimos de divórcios após o confinamento e mães enlouquecidas com a presença constante dos filhos em casa.
O que será que mudou? É hora de provar seu amor pela família!
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Um mundo sem empregados
O isolamento e a necessidade de dispensar os empregados domésticos sem dúvida teve mais impacto no Brasil, onde a dinâmica familiar acontece por intermédio de empregados. É parte da nossa cultura ter empregados. Nossa herança de escravidão foi terreno fértil para que tenhamos criado uma cultura que constrói apartamentos com dependências de empregada. É parte do projeto de país que apoiamos há anos ter mais da metade da nação limpando privadas e abrindo portas. Se essas pessoas ganhassem um salário digno e tivessem escolha entre servir e estudar, não haveria problema.
O fato é que uma vida de privilégios é muito mais fácil de viver. Não ter que faxinar a casa todos os dias, lavar e passar roupas (e guardar) e preparar todas as refeições é uma vida onde é muito mais fácil cuidar de si mesmo e extrair das relações o que há de melhor. É muito mais fácil ser “namastê”. O que vemos agora é a queda desse ideal. Pessoas que antes alegavam dar tudo pela família, agora não aguentam 1 mês trancados em casa tendo que fazer o que a maior parte da população mundial já faz: cuidar da casa e dos filhos. Sem empregadas e babás.
Em um grupo desses por aí, ouvi uma afirmação que mostra bem qual a ideia de família de algumas pessoas. Estavam falando sobre os panelaços, sobre o presidente atual e o comportamento que ele estava tendo. Por se tratar de um grupo de ex-alunos de um colégio tradicional de São Paulo, falamos de pessoas que nasceram rodeadas de empregados e continuam perpetuando essa cultura. Uma das pessoas disse assim: “Estou ouvindo as panelas enquanto faço minhas atividades domésticas e de mãe, já que não podemos mais ter babás e domésticas em casa por causa do corona”. Pobre moça. Obrigada a ser mãe pelo coronavírus. Me pergunto que tipo de mãe ela era antes da pandemia. Pelas fotos no Instagram, parecia das melhores, daquelas que dedica horas a fio para os filhos em atividades familiares incríveis e criativas. Por aí vemos como o amor corre pela janela assim que a empregada sai pela porta. É realmente muito mais fácil ser mãe, esposa e dona de uma casa quando alguém faz o trabalho difícil por você. É fácil ser pai e marido quando a casa está arrumada, a janta posta, os filhos banhados e prontos para dormir.
“O que torna uma família viável é o amor”
A família idealizada
Talvez essa dificuldade em conviver com a família que estamos vendo na quarentena tenha origem na própria ideia de família que temos. Quando recorremos à história, vemos que a família não significou a mesma coisa em todos os tempos: um romano, por exemplo, casava para ter uma herança constituída e via na família uma instituição jurídica. Não havia nessa época a ideia de ser feliz através do casamento e do convívio familiar. É depois do movimento romântico e da ascensão da burguesia no séc XIX que aparece a ideia de que devemos ser felizes casando e que as crianças passam a ser o centro das atenções. A família como conhecemos hoje vem de um ideal romântico muito recente. E que ideal…
É essa idealização que torna difícil para nós conviver com a família real, a família possível. É essa ideia distorcida que faz com que seja tão difícil conviver com a família sem empregados no isolamento ou simplesmente conviver. Talvez seja por isso que os consultórios de psicologia estiveram sempre lotados de pacientes destroçados em torno do mesmo tema: os pais. Colocam os pais como heróis, quando não passam de seres humanos comuns e imperfeitos. A mídia, a religião e todas as instituições sociais valorizam a família, mas tudo que fazemos em sociedade vai contra ela. Querendo dar o melhor aos filhos nos dedicamos ao trabalho e aceitamos que sejam criados por babás e avós. Criamos preconceitos em nome da família que não vão além de disseminar ódio e separar as próprias famílias, como é o caso da homofobia. É em nome da família que expulsamos de casa os filhos gays e transsexuais. É em nome da família que adolescentes grávidas são abandonadas. É em nome da família que falamos contra o aborto, mas mantemos o coração distante da chacina da Candelária. É em nome da família que não queremos homossexuais adotando crianças ou tendo o direito de casar. É em nome da família que o machismo corre solto e os maridos têm amantes. Família vale mais que traição. Aliás, o que seria da família tradicional brasileira sem uma amante? Essa sim pode (e deve) abortar. Amante não é família, filho de amante não é família. Amamos a família, mas depende de qual família, de como é essa família e do quanto ela se encaixa ou não nos padrões ideais de família.
Que a família é nosso bem mais valioso não há dúvidas. O que não podemos esquecer é que a Terra é um planeta de expiação, uma dimensão onde os espíritos encarnam para evoluir. Isso significa que o nível consciencial dos espíritos aqui não é dos mais elevados. Portanto, é muito mais comum encontrarmos núcleos familiares conflituosos do que lares cheios de amor, compreensão e a apoio.
“A cura entra pelas portas da maternidade”
O que nos parece um problema, espiritualmente é cura. É no seio familiar que devemos buscar o primeiro movimento rumo ao despertar. E muitas vezes esse movimento vem do conflito, da diferença, da dor. Entender o que é a família, aceitar as diferenças entre as pessoas e entender que a felicidade constante não existe é o primeiro passo para evitar sofrimento e frustração, e construir relações afetivas mais saudáveis.
A felicidade idealizada
Nossa ideia de felicidade também é idealizada. E sendo fruto de uma idealização, a ideia de felicidade muda muito de acordo com a época histórica, com a região, com a cultura. Nossos conceitos e valores se alteram de acordo com eventos históricos. O que era felicidade para a Idade Média certamente não representa felicidade para o indivíduo moderno. Mesmo hoje, o que significa felicidade para um morador da favela é bem diferente da felicidade almejada por quem mora nos Jardins.
Vivemos em uma época que podemos dizer que a felicidade se tornou uma ditadura. É preciso ser feliz a todo custo e a felicidade está quase sempre no consumo. Nas redes exaltamos essa felicidade que deve ser compartilhada, senão, não é felicidade. Não queremos lidar com as frustrações; se você está triste, ou é preguiçoso ou tem algo errado com você. Melhor procurar ajuda e tomar remédios, pois não tem espaço no mundo para sua tristeza. Nem mesmo o luto respeitamos mais, pois, após dois ou três meses, achamos exagerado que alguém ainda sofra com a perda de um ente querido. Você precisa produzir, precisa trabalhar para ter suas coisas e ser feliz! Essa é a nossa ideia de felicidade atual: sucesso profissional, bens materiais e uma família bonita para mostrar nos Instagram. E quando a pandemia nos fez conviver com essa família, quando a pandemia impediu que a gente colocasse terceiros nessa relação, que ocupássemos nosso tempo com outras tantas atividades, é que ficou claro como a nossa ideia sobre família e felicidade estavam erradas. Felicidade é um mecanismo, não um ideal. Ela não está no futuro, mas no agora.
“A verdadeira definição da felicidade é justo a possibilidade de sentir alegria. Não é algo estável ou que será permanente. O resto é pura falsificação”
Felicidade constante não existe. Felicidade através do ideal de família também não. É nos processos que ela se esconde, nos altos e baixos, surgindo entre dias bons e dias ruins. O que os outros dizem sobre a felicidade não importa, mas descobrir onde eu deposito a minha felicidade sim. A felicidade não está em alcançar uma meta, mas em sermos felizes para alcançar metas. A felicidade é aqui, agora, não importa a condição. É claro que não é possível ser feliz na miséria completa, mas é interessante perceber como o suicídio em países escandinavos supera muito os índices africanos.
O que mudou?
Muita coisa mudou desde a última reunião familiar feliz. O Natal foi esse momento. O próximo seria a Páscoa. Separando esses dois momentos, uma pandemia, uma quarentena e a necessidade de isolamento social. Mas ainda somos os mesmos, nossa maneira de nos relacionar ainda é a mesma. A diferença é que, agora, postar fotos da família perfeita sem estar em uma viagem incrível não tem mais a mesma graça. Exibir a realidade nunca foi nosso forte.Mas continuamos tentando, pois as timelines estão cheias de quarentenas perfeitas, crianças incríveis e famílias de comercial de margarina.
Enquanto isso, na vida real passamos das narrativas felizes e casamentos perfeitos para o divórcio. Dos filhos antes maravilhosos para crianças normais e difíceis de lidar, que exigem atenção e dão um trabalho danado. Não temos mais a escola para fazer isso por nós, não temos mais as babás para cuidarem da rotina, não temos mais as avós disponíveis. E é difícil mesmo criar uma família sem rede de apoio.
“É preciso toda uma vila para criar uma criança”
A diferença é que antes tínhamos isso tudo e nos achávamos super mães, super pais. Pessoas com carreiras brilhantes e que ainda dão conta da família. Achávamos que nosso tempo estava muito bem equilibrado entre trabalho, família e bem-estar individual. Mas não estava. Nunca paramos para pensar como é que uma babá cria o próprio filho ou em nossas crianças sendo criadas por babás. Quem hoje reclama, certamente não precisava “perder tempo” arrumando a casa, limpando banheiros. Sobrava bastante para compartilhar nossa vida maravilhosa e organizada nas redes e colher os louros disso. Sobrava mais tempo para nós, e ainda assim a gente reclamava. Agora tudo depende de nós. Os pais estão em casa e têm que fazer sua parte, não podem mais se esconder atrás do trabalho. A escola está nas telas dos computadores e os filhos em casa, chamando, pedindo ajuda, querendo atenção. É hora de provar seu amor pela família, é hora de entender o que significa de verdade uma família. Refletir o quanto uma família exige de nós e o quanto estávamos acostumados a dar de nós. Agora, estamos só nós e a família. Nós e o amor. Juntos. É hora de passar tempo em conjunto, de olhar no olho, de “estar”. É hora dos pais serem pais, das mães serem mães, dos filhos serem filhos. Acima de tudo, é hora de ficar em casa por eles e com eles, porque amamos nossos pais e avós, amamos nossa família. Amamos o outro, seja lá quem for esse outro.
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