Você acha que vivemos uma ilusão?
Não é difícil concluir, após o acúmulo de experiências e alguma maturidade, que vivemos uma grande ilusão. A prova disso é que, tudo aquilo que a vida material oferece como o dinheiro, oportunidades de sucesso pela profissão e relacionamentos, não são suficientes para preencher o vazio existencial que carregamos.
Ora, se somente a materialidade existisse, faria sentido que ela nos completasse e preenchesse, mas a história do pensamento humano nos mostra o contrário.
A ideia de vazio e realidade simulada é muito bem colocada na trilogia Matrix, dirigida pelas irmãs Wachowski. Na antiga Grécia, Platão nos ensinou sobre o mundo das ideias e sua cópia imperfeita que seria o mundo onde vivemos, além do que é chamado no espiritismo de véu de Ísis, que nos impede de enxergar.
Temos, então, uma das mais belas concepções sobre o possível simulacro que vivemos: a Maya indiana. São inúmeras as referências sobre a ideia da artificialidade da vida, mas o mais antigo conceito conhecido sobre tema nos foi oferecido pelo hinduísmo, que caracteriza a vida material como a Grande Ilusão de Sentidos que só pode ser ultrapassada por meio da verdade (Jnana) e autoconhecimento.
Tudo que nos é possível entender como real e concreto é influenciado pela percepção da nossa consciência, mediada pelos sentidos físicos, que, como sabemos, não são exatos nem tampouco confiáveis. Os sentidos nos enganam o tempo todo e nem mesmo a nossa percepção de tempo e espaço são verdadeiras, sendo que noção do tempo compreendida pela maioria das pessoas neste plano existencial nada mais é do que outra grande ilusão que permite que a experiência encarnatória aconteça.
Maya e a tradição indiana
Tudo que não venha do espírito é Maya. Segundo a tradição hindu, no mundo físico as seduções da matéria são ilusões que atrasam nosso desenvolvimento e colocam nosso foco em fantasias, que nos distanciam dos ideais divinos, de nossa alma e nosso verdadeiro propósito.
Essa ideia está impressa na história de Narada, discípulo que desejava compreender de forma mais profunda o verdadeiro significado de Maya. Ele procura Vishnu, uma das principais divindades hindus e seu guru, e pergunta o que era Maya. Vishnu responde que não era possível compreender Maya de forma que não seja pela experiência prática e então convida Narada para um passeio. Após sobrevoarem muitos locais em cima de Garuda, a águia que era o veículo do senhor Vishnu, chegam à um deserto escaldante e quase infinito, por onde começam a caminhar. A certa altura, senhor Vishnu passa mal e começa a sufocar, sofrendo com os efeitos do calor infernal daquele ambiente. Com muita dificuldade ele pede a Narada que encontre água e traga para que ele saia daquela situação horrível e Narada prontamente o atende, saindo imediatamente em busca da água que salvaria seu guru. Após percorrer exaustivamente o local e já cansado, Narada encontra um oásis que milagrosamente tem um poço com acesso fácil à água. Ele logo se aproxima e, profundamente agradecido, começa a recolher o líquido para socorrer seu mestre. Nesse momento, Narada avista próximo a ele uma moça, de uma beleza tão impactante que deixa Narada encantando. Eles começam a conversar e a conexão entre os dois é tão forte e instantânea que Narada não tem a menor dúvida que encontrou o amor de sua vida, sua alma gêmea, tudo que ele procurou durante toda sua vida. Ele teve certeza, ali mesmo, que com ela deveria se casar e construir sua vida, sua família e assim se realizar totalmente.
Assim, foram até a vila onde a moça morava e foram recepcionados pelo pai dela, ao qual Narada não hesitou em logo dizer: desejo casar-me com sua filha. O chefe da vila se mostrou reticente, respondendo à Narada que o casamento era um assunto sério que exigia a compreensão de que era necessário adotar a cultura, tradições e hábitos daquele povo para que se pudesse realizar o matrimônio de sua filha com um forasteiro. Narada deveria apresentar qualidades muito específicas para se juntar à vila, assumir sua cultura para, futuramente, dar continuidade ao trabalho de seu sogro, essencial para a continuidade daquele povo, coisas que Narada considerou justas e possíveis. Pensou até que seria pouco frente ao que ele estava recebendo em troca, que era a união eterna com o amor de sua vida. Aceitou todos os desafios e se submeteu à todos os testes e desafios propostos pelo sogro e em todos foi bem sucedido.
Durante 5 dias seguidos, houve uma festa na vila jamais vista. A família da moça era muito rica e o casamento de Narada foi amplamente celebrado por todos, mas, em especial, por Narada. Ninguém ali poderia estar mais feliz do que ele, que sentia-se o ser mais sortudo do universo tendo achado o amor verdadeiro. Meses após o casamento, Narada foi abençoado com o primeiro filho e mais quatro vezes depois disso, dando à Narada ao todo 5 herdeiros.
Narada constrói uma família perfeita, baseada no amor e na cumplicidade. Muito ligado aos filhos e à esposa, encontra grande conforto na vida familiar, vendo os filhos crescerem enchendo a casa de alegria e vitalidade. Após a morte de seu sogro, a cidade estava mais próspera do que nunca e tudo corria de forma harmoniosa na vida de Narad.
Até que um terrível tsunami invade a cidade e toma conta de tudo. Muitas pessoas são atingidas e morrem muito rapidamente. O caos se instaura e Narada tenta, desesperadamente, salvar seu povo. Logo percebe que não era possível salvar todos e tenta, então, salvar sua família, mas sem sucesso. Após muito esforço, Narada perde, um por um, todos membros de sua família. Ele vê a morte levar tudo que ele mais amava, ficando então tomado pelo desespero completo. Não há palavras capazes de descrever a agonia e o quão desolado está Narada, que olha ao redor e não encontra mais nada.
Cadê minha família? Cadê meu povo? Onde está minha vida! Narada questionava, desconsolado. Até que o senhor Vishnu aparece para Narada, que, em grande aflição, agarra em seus pés e pede que ele traga sua mulher e seus filhos de volta.
A resposta de Vishnu surpreende Narada. Ele diz: Narada, onde está a minha água?
Acorde, Narada. Nunca houve mulher, você nunca teve filhos. Você não queria conhecer Maya? Aí está. Acorde.
Então, Narada aos poucos acordou do sonho e se lembrou que havia saído para buscar água para o senhor Vishnu e que, no caminho, foi iludido.
Essa história nos leva à reflexão complexa do que é ilusório e do que é real em nossas vidas. Compreender o que é uma determinação da alma, do seu coração e do divino e o que é uma armadilha, que nos desvia dos nossos verdadeiros caminhos.
Como vencer a Maya?
Só é possível acordar quando nos damos conta de que somos espíritos em uma experiência transitória, uma passagem que nos agrega evolução e que nos leva de volta a “nossa casa”.Por isso sofremos. Nos distraímos de nós mesmos, abandonamos nossa alma e mergulhamos cegamente em conceitos terrenos e problemas cotidianos, nos apequenamos frente as tragédias da vida, como se não houvesse nada além.
Cuidamos do corpo, jamais do espírito. Queremos dinheiro, mas não trabalhamos a abundância. Estudamos, mas nada sabemos sobre nós mesmos, o que intensifica a ilusão da matéria. Focamos no efeito, nunca nas causas.
As seduções do poder e a influência do ego são muito fortes, tornando o despertar quase impossível e nos aprisionando à ignorância. Mas o bom observador, que a tudo questiona, tem uma tendência maior ao despertar espiritual, já que não existe aprendizado possível na estagnação e é improvável a compreensão da vida dentro da zona de conforto e dos ecos da ilusão.
É preciso buscar dentro e fora de nós. Dentro está o conhecimento sobre nossa condição espiritual e fora de nossa mente iludida podemos perceber que não controlamos quase nada, sendo esta a chave para iniciar a abertura de consciência. A yoga e meditação são grandes aliadas na iluminação espiritual.
Há um ditado italiano que bem traduz essa ideia: “Sabe como se chama quando tudo está sob controle? Alucinação!”
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