Momentos em que a moda fez história nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
Para além dos esportes, na edição dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 a moda também chamou a atenção. Seja como referência de estilo ou, até mesmo, como forma de terapia e protesto. Veja momentos em que a moda fez história nas Olimpíadas!
Salto sincronizado e tricô podem não parecer assuntos relacionados entre si. O nadador britânico Tom Daley, porém, mudou esse paradigma na Olimpíada de Tóquio 2020, realizada em 2021. Nos intervalos entre uma competição e outra, o atleta era fotografado tricotando na arquibancada. No Instagram, Daley criou uma conta específica para compartilhar as fotos de suéteres, bonecos, roupinhas para pets e até da capinha que fez para a medalha de ouro que conquistou no mês de julho.
Na conta @madewithlovebytomdaley, o nadador explica que aprender a tricotar e fazer crochê o ajudou muito durante a Olimpíada (tradução livre). Além de utilizar a moda e a confecção do tricô como forma de relaxar e se manter calmo entre as competições, o atleta chegou a fazer rifas pelo Instagram para vender as roupas que criou, e conta que doa os lucros para The Brain Tumor Charity, uma associação de caridade dedicada a financiar pesquisas de combate ao câncer do cérebro.
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As potencialidades da moda podem ser múltiplas. O psicólogo clínico Sylvio Schreiner esclarece como o tricô pode funcionar como calmante para o atleta. “Essas atividades manuais fazem com que a pessoa vá se envolvendo nesse trabalho, e que não precisem ficar pensando muito ou imaginando cenários difíceis, medos ou coisas que não gostariam que acontecessem”, descreve.
Schreiner explica que o movimento repetitivo da técnica do tricô vai tirando o foco dos pensamentos que podem trazer perturbação. “Claro que, não diretamente, mas, em certo grau, dá para dizer que a pessoa vai entrando numa espécie de ‘transe’”, aponta. “Muitas pessoas quando fazem orações repetem determinadas palavras de tempo em tempo, e essa repetição vai acalmando, vai trazendo uma certa tranquilidade”, compara. “Pessoas que repetem mantras também. Então, esses trabalhos repetitivos, podem ser manuais ou então repetir uma certa frase, palavra, sentenças, fazem com que a pessoa vá se acalmando e não fique pensando o pior”, afirma.
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Moda como protesto e reivindicação
Além do tricô de Tom Daley, outros usos da moda também chamaram a atenção na última edição dos Jogos Olímpicos: os protestos de atletas de equipes femininas contra a sexualização de seus corpos. Também em julho de 2021, a equipe de ginástica artística da Alemanha, composta por Sarah Voss, Pauline Schaefer-Betz, Elisabeth Seitz e Kim Bui, competiu utilizando macacões que cobriam o corpo todo, diferentes dos collants comumente usados no esporte, que deixavam as pernas expostas.
Em entrevista ao portal UOL Esporte, as ginastas destacaram que a escolha foi um posicionamento político, um protesto contra a sexualização a que muitas mulheres são submetidas no âmbito do esporte. A ginasta Sarah Voss descreve, no Instagram, que a equipe quis mostrar às ginastas mais jovens que podem escolher usar as roupas com que se sentem mais confortáveis. O psicólogo Sylvio Schreiner ressalta que a moda pode ter muitas funcionalidades, dentre elas, a expressão de posicionamentos. “A moda pode ser entendida como uma capacidade de expressar alguma coisa, desde reivindicações, como o direito ao próprio corpo, à própria sexualidade, e também de querer passar uma imagem, uma mensagem”, descreve.
E as alemãs não foram as únicas a protestar contra a sexualização no esporte. No Campeonato Europeu de Handebol de Praia, a equipe feminina da Noruega recebeu multa de 1,5 mil euros, aproximadamente 9,3 mil reais, pois as atletas utilizaram shorts ao invés do tradicional biquíni usado em esportes de praia. A Federação de Handebol do país foi alertada de que a multa era porque as atletas não estavam cumprindo as regras de uniforme estabelecidas para a competição. Para os atletas homens, o uniforme é um shorts na altura dos joelhos e camiseta.
A Federação Norueguesa de Handebol se pronunciou em apoio às atletas. A pedido dos noruegueses, a possível mudança nos regulamentos de uniforme deverá ser discutida pela Federação Internacional do Esporte. E até famosos entraram para o debate: a cantora P!nk, em sua conta no Twitter, demonstrou sua solidariedade às atletas e se ofereceu para pagar a multa. “Estarei feliz de pagar por suas multas por vocês. Continuem assim” (em tradução livre).
Os regulamentos para uniformes de atletas femininas deram ainda mais plataforma ao debate sobre a objetificação do corpo feminino no esporte. Mas, a discussão não é totalmente inédita: em 2017, a equipe de handebol de areia do Rio de Janeiro, ao competir nos Jogos Olímpicos da Juventude, já havia utilizado shorts para protestar contra as mesmas regras desiguais. As brasileiras foram ameaçadas pela arbitragem da Federação de Handebol do Estado do Rio de Janeiro de que perderiam o jogo por W.O. (na sigla em inglês, ‘walkover’, ‘vitória fácil’, termo usado quando um atleta ou equipe é impossibilitado de competir) caso não utilizassem os uniformes estabelecidos. Na época, a atleta Gabriela Peixinho postou em sua conta no Facebook: “Nosso amor pelo esporte não pode ser esmagado por regras machistas e desiguais. Nós repudiamos a obrigatoriedade do uso do sunquíni (um biquíni um pouco maior utilizado em esportes de praia). Cada equipe deve ter o direito de escolher”.
Das pistas para os trends
Os brasileiros Kelvin Hoefler e Rayssa Leal fizeram história nos Jogos Olímpicos de Tóquio, não apenas porque conquistaram a medalha de prata para o país na estreia da modalidade, mas também porque levaram o skate do patamar de marginalizado para assunto do momento. O esporte já sofreu preconceito no país por questões políticas e culturais. Por exemplo, em 1988, a prática foi proibida na capital paulista no governo do prefeito Jânio Quadros, por ser considerada ligada à rebeldia.
O skate passou a ser uma modalidade nos Jogos Olímpicos a partir de 2020. E desde a estreia no evento, vem conquistando mais apoiadores e incentivadores. O estilo skatista tem referência urbana da moda skate wear. Autêntico, atraente e despojado são algumas características que marcam as composições. O estilo prioriza o conforto, por isso peças versáteis e tamanhos, geralmente, maiores e mais largas. Porém o famoso oversized saiu das ruas e pistas de skates para os closets das blogueiras e marcas mais seletivas.
O estilo preza por camisas mais largas com estampas diferenciadas, regatas cavadas com top ou cropped, no caso feminino. A brasileira Yndiara Asp caprichou no estilo ao fechar apenas o primeiro botão da camisa e deixar o top esportivo branco à mostra durante sua participação nos Jogos Olímpicos. No caso masculino, usa-se cortes mais amplos e cavados. Geralmente, optam por cores mais neutras e apostam nos acessórios para compor o visual.
Como o skate é um esporte que convive com o vento, jaquetas estão presentes no look, sejam peças de moletom, jeans ou corta vento. Já as calças, apesar das maiores serem mais marcantes, algumas inspirações no rock e no punk trouxeram algumas peças mais ajustadas ao corpo. Entre as mais justas estão a skinny e a slim, enquanto as largas estão as jogger e cargo.
A calça cargo estava no look de Rayssa Leal, que trouxe uma medalha de prata para o Brasil. Com uma aparência utilitária e modelagem solta, ela conquistou atletas da modalidade por ser estilosa e permitir a liberdade dos movimentos, principalmente nos anos 1990 e 2000.
O tênis é indispensável para a prática do esporte. Mas nas Olímpiadas as atletas foram ousadas e trouxeram modelos de salto baixo, trazendo conforto e segurança para as manobras, e estilo para compor o look.
Os acessórios não podem faltar: munhequeiras, braceletes, cintos, peças metálicas, correntes, gorros, meias estampadas e de canos mais longos como a 3/4. O boné, além de proteger contra o sol, mantém o cabelo fora do campo de visão e foi muito usado nos jogos. A filipina Margielyn Didal conquistou com a sua simpatia e foi uma das atletas que usou o item nas suas produções.
O psicólogo Sylvio Schreiner salienta a importância dos diversos usos da moda, e que esta pode refletir mudanças comportamentais da sociedade. “A roupa está ligada a uma determinada época, a determinada cultura, está dentro de um padrão sócio biológico e psicológico, de um determinado lugar”, explica. “E pode ser usada para expressar o direito de que cada um tem uma escolha, e de poder escolher não ser apenas o objeto do desejo do outro”, acrescenta. “Nós usamos o corpo para isso, seja através das roupas, dos cortes de cabelo, de maquiagem. Há várias formas de usar o próprio corpo e a moda para poder passar uma mensagem”, conclui.
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