Será que a morte pode ser celebrada?
A morte quando chega pode ser avassaladora. A presença da ausência, a ideia do “nunca mais”, a saudade que não tem fim. Nada mais terrível do que perder quem amamos. Mas, saiba que a construção da ideia de morte é, também, cultural. A forma como encaramos “o fim de alguém” está muito relacionada a nossa cultura, e no mundo ocidental a morte é um tabu. E será que a morte pode ser celebrada?
“Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte”
Não falamos sobre ela, evitamos pensar respeito e o fato de sermos essencialmente católicos torna a morte um assunto mais difícil. Mesmo a noção de paraíso, de vida eterna, não consegue transmitir a ideia correta do que de fato é a vida e a morte, a ponto de conseguir nos fazer encarar esses aspectos da vida humana sem sofrimento. Não é atoa que o espiritismo é considerado uma doutrina consoladora, pois, trata da morte como uma passagem e nos mostra que a vida continua e que todos continuam vivos após a passagem para o plano astral.
Morte como libertação
Pensamos na morte como um castigo, como algum ruim Quem nunca pensou “ah, coitado, fulano faleceu”? Em contrapartida, celebramos o nascimento como a dádiva divina da vida. E é. Mas, e se invertêssemos essa ordem? Será que a morte pode ser celebrada?
Eu explico: considerando a continuidade da vida após a morte e a reencarnação, será que a morte é mesmo uma vilã? Estávamos lá no mundo espiritual, mais pleno, sem as agonias da matéria, vivendo na lei do amor e talvez junto daqueles que amamos. Então, em função da Lei do Retorno e de nosso aprendizado, decidimos reencarnar. Se pensarmos bem, ser um espírito livre e encarnar num corpo mais parece uma prisão. Vivíamos livres, partilhando de uma consciência coletiva e um amor incondicional. Somos, em espírito, o conjunto das coisas, uma união de consciências. Então, abandonamos isso tudo, nos individualizamos e “entramos” em um corpo denso, pesado e solitário. Provavelmente seja essa uma das razões desse “vazio”, existencial que o ser humano carrega, pois reencarnar é, na verdade, muito difícil.
Nós não somos seres desta dimensão material. Estamos de passagem por aqui e por isso somos tão frágeis, seja no físico, seja nas emoções. A ilusão da materialidade é o que nos fazer pensar que essa vida possa ser tudo que existe e, quanto mais materialistas, mais impacto a morte terá sobre nós e mais medo dela teremos. Não perdemos ninguém para a morte, apenas nos distanciamos dessa pessoa, pois ela vai para um outro plano. Quando acordamos nosso espírito, quando entendemos a nossa natureza espiritual, lidar com a morte se torna algo natural e conseguimos retirar o peso que foi colocado nela pela cultura, religiões e pela própria vida material. Aliás, é justamente o nosso estado de consciência não desenvolvido que nos impede de manter contato com quem partiu, ao passo que, quando desenvolvemos nossas capacidades mediúnicas através da expansão da consciência, se torna totalmente possível o encontro com nossos entes queridos que voltaram para o astral.
“Quem não sabe o que é a vida, como poderá saber o que é a morte?”
Olhando por esse lado, quando morremos é que nos libertamos dessa experiência densa e complicada, para retornar à origem, para o lugar onde é verdadeiramente o nosso lar e onde podemos ser felizes e plenos. Já o nascimento é o marco inicial de uma jornada muito difícil, cheia de provações e sofrimento. Não faria mais sentido então celebrarmos a morte, ao invés do nascer? Olhando para o mundo, podemos de fato dizer que é uma delícia nascer e fazer parte dessa realidade? Provavelmente não. Apesar de assustador, talvez essa seja a maior verdade sobre a nossa existência: a morte nos liberta.
A Morte – Do lamento à festa
As diferenças acerca da morte estão ligadas às heranças culturais que, por sua vez, relacionam-se diretamente com a religião dominante. Os povos mesopotâmicos, por exemplo, costumavam enterrar os mortos com todos os seus pertences e com suas marcas de identidade pessoal e familiar, além de comida, para garantir uma travessia sem escassez ou dificuldades.
Em geral, a morte no ocidente católico quase nunca é celebrada. Junto com ela vem muito sofrimento, angústia e desespero, podendo destruir a vida de quem fica. Mas nem todas as culturas tratam a morte e o luto desta mesma forma e algumas deles entendem que a morte pode ser celebrada.
A Morte no Brasil
No Brasil temos um dia para homenagear os mortos, que é o feriado de finados. Relembramos aqueles que vivemos e muitas pessoas vão aos cemitérios levar flores e presentes para quem partiu, mas carregam também um coração machucado pela ausência de quem amam. Mas homenagear é diferente de celebrar, certo? Existe um pesar nas homenagens, mas nunca alegria.
México
Faz parte da cultura mexicana uma grande celebração anual pelo “día de los muertos”, que se aproxima mais de uma celebração pela vida. É uma grande festa: famílias inteiras se reúnem para homenagear seus entes queridos, com muita música e comida. Além da música, dança e da comida, é costume também pintar o rosto ou usar máscaras e se vestir como caveiras, numa alusão aos mortos. Mas tudo com alegria, sem nenhum pesar ou tristeza.
Espanha
Semelhante ao México, na Espanha existem “desfiles” em diversas parte do país, com roupas de cores vibrantes e, à noite, durante as homenagens, costumam oferecer um doce como sobremesa, chamado “huesos de santos”, feitos de marzipã e ovos, com recheios variados, sendo o mais comum de creme. A celebração também está muito próxima de uma festa e envolta em alegria, excluindo o pesar e a tristeza que estamos acostumados a ver no Brasil.
Guatemala
A celebração em homenagem aos mortos na Guatemala também possui contornos festivos, onde se fazem pipas coloridas que adornam os céus no dia 02 de novembro. É uma festa linda, onde especialmente as crianças se divertem e potenciam essa aura de alegria em relação a quem se foi. Também há muita música e dança.
Índia
Os hindus possuem uma crença que facilita o entendimento da morte, pois um dos pilares da religião é a reencarnação. Acreditam no Samsara, uma cadeia de nascimentos e mortes ligadas à reencarnação. O carma apresenta-se como fundamental no controle do Samsara.
“Quem venceu o medo da morte venceu todos os outros medos”
Quando alguém morre, a cremação é um ritual sagrado. Quando possível, os corpos são carregados por entre ruas e vielas até o Rio Ganges, considerado sagrado, onde ocorre a queima. Os entes que participam da cerimônia devem transmitir alegria, não tristeza, pois a morte significa uma nova jornada da qual a alma precisa de energias boas para seguir o caminho até a ressurreição.
Em celebração aos mortos os hindus costumam honrar as sete gerações passadas, começando por um banho em lagoas e rios sagrados, oferecendo orações e comida para seus antepassados, que acreditam que retornam à vida após a morte para essa noite de festa.
Camboja
No Camboja, a cultura Khmer realiza um festival, que, além de alegre, é um espetáculo social. As pessoas visitam templos, locais para rezar e fazer oferendas aos mortos e depois todos comemoram com corridas de búfalos e lutas, em grande festa. A tristeza é substituída pela alegria da vida, a celebração da existência de quem se foi e os laços de amor que foram construídos em torno da pessoa.
Faz parte do despertar a percepção da morte como início, não fim. Quanto mais entendimento temos, menos sofrimento passamos quando a morte chega sem ser convidada. Ao invés de pesar e tristeza, podemos tentar – pelo menos tentar- atribuir um sentido a partida que não seja tão pesado.
Saiba mais :