Movimentos sociais e espiritualidade: existe alguma relação?
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
Neste artigo vamos falar sobre a importância dos movimentos sociais e da narrativa de pensamento voltada para a coletividade, mas é importante dizer, desde o início, que a ideia do bem-estar comum transcende qualquer ideologia política. A orientação política não é o foco deste artigo, pois vamos tocar nesse assunto de forma mais generalizada, não partidária e sob a ótica da espiritualidade. Repito: você não vai encontrar nesse artigo apologia a absolutamente nenhum tipo de pensamento político partidário.
Dito isso, vamos começar pensando sobre a desigualdade do mundo. Especialmente no Brasil, a desigualdade atinge índices extremos, onde temos pessoas em situação de extrema pobreza e outras que são muito, mas muito ricas. E não é o caso de criminalizar a riqueza, pois o dinheiro não só é fruto do trabalho honesto (na maior parte dos casos), como também é uma energia neutra, que pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Quando o dinheiro é fruto de trabalho honesto, pode trazer muito conforto, conhecimento e salvar vidas.
E, como vivemos em sociedade, as ideias relacionadas à compaixão, empatia e caridade, proporcionam o bem comum e atendem aos requisitos mínimos da espiritualidade. Não foi isso que nos ensinou Jesus? Fazer a caridade?
“A caridade é um exercício espiritual… Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma”
A Vontade divina versus a Caridade
Alguns interpretam as situações de pobreza como falta de esforço ou vontade divina, se isentando do poder que todos temos de amenizar o sofrimento de quem não tem nenhum recurso, às vezes faltando até o pão nosso de cada dia.
“Se Deus os colocou naquela situação é por sua vontade” ou “se são pobres, é porque assim mereceram e estão resgatando um karma”. Esse é o pensamento que, infelizmente, muitos têm quando uma criança se aproxima do carro nos faróis, fechando logo a janela e desviando o olhar, como se isso fosse fazer aquela figura simplesmente sumir. Preferem ignorar a ajudar, pois, como alguns justificam, “não se sabe o que será feito da esmola ofertada”. Como se isso fosse justificativa suficiente para não fazermos a nossa parte. O destino que aquela criança ou mesmo adulto vai dar às poucas moedas que, graças a Deus, podemos oferecer, não deveria ser uma preocupação nossa. Cada um responde por si perante o julgamento divino.
Então qual é a nossa parte? O que cabe a nós fazer?
Pois bem. A palavra caridade diz tudo. Ajudar a quem precisa, fazer o bem sem olhar a quem. Uma ótima forma de pensar a miséria do mundo é imaginar que Deus a permite para que todos possam com ela crescer. Se quem está nessa situação resgata um karma ou cumpre uma vontade divina, certamente também é da vontade dele que a humanidade aprenda a dividir, partilhar e trazer a empatia para dentro do coração. Fora da caridade não há salvação. Ajudar o outro desperta a sua consciência.
Quando ajudamos os outros, ajudamos a nós mesmos! Abrimos mão do egoísmo referente ao que possuímos, como também desmantelamos o ego que adora julgar. E o não julgamento também é, junto com a caridade, um princípio divino universal. Pouco importa porque aquela pessoa se encontra em situação tão lastimável. O que podemos fazer é agradecer a lição que ela nos traz: primeiro, sermos gratos pelo que temos, pois, mesmo conquistando “coisas” com nosso esforço, tudo está submetido à permissão e providência divina. Depois, ainda ligada a esta ideia, devemos agradecer por ter o que oferecer, caso contrário, estaríamos naquela mesma situação. Por fim, devemos nos conscientizar do exercício de desapego que podemos vivenciar quando doamos sem julgar. A pobreza é um aprendizado para quem a vivencia, mas também é uma grande lição para quem dela se livrou e está em posição de partilhar.
“Conheço quem é de Deus não quando me fala de Deus e sim pelo modo de se relacionar com os outros”
Eu me pergunto: como podemos virar as costas para quem tem fome? Como podemos julgar essa situação tão trágica, especialmente quando acomete crianças? Como podemos ousar, com uma arrogância infinita, que somos melhores que qualquer outra pessoa? Quem tem esse tipo de pensamento pode frequentar a igreja todos os domingos, participar de centros espíritas todos os dias e rezar quantos terços for, que ainda se encontra muito distante de Deus. A caridade é um princípio divino e um exercício que deve ser feito todos os dias, seja doando dinheiro, conhecimento ou, até mesmo, tempo. Dar o que o outro necessita é se aproximar de Deus.
A política, espiritualidade e desapego
Infelizmente, a política tem roubado para si a caridade que deveria morar eternamente em nossos corações. Quando ela se apropria desse discurso, ela causa uma empatia ou grande rejeição, já que se torna partidária. O que é uma grande cilada. O bem-estar da sociedade deveria ser a prioridade daqueles que estão no poder, e cobrar o que deve ser feito é o nosso dever. A consciência política está sim ligada a espiritualidade, e temos um ótimo artigo dedicado a este tema, que você pode ler aqui. Para a construção de uma sociedade mais humanizada, temos de aprofundar a dimensão política libertadora da espiritualidade. Quanto mais místicos e religiosos formos, mais a nossa busca espiritual irá se manifestar em nosso modo de exercer o compromisso político e cidadania.
Seja dando assistência a quem precisa, seja consertando as falhas do Estado para que oportunidades sejam geradas, os movimentos sociais são importantes. Mas, infelizmente no Brasil, vemos que o interesse financeiro e pessoal se sobrepõe ao bem comum, pois, quem movimenta as massas em prol do bem comum nunca o fez de verdade e deixou a corrupção corromper esses valores. E quem se posiciona contra a divisão de renda e políticas assistencialistas, cai no engodo de quem está usando essa corrupção como capital político e discursivo. A corrupção está por toda parte, não só no Brasil, mas no mundo. Não se engane.
Mesmo nos países mais desenvolvidos, onde a justiça social é mais evidente e existe, pelo menos, saúde e educação para todos, tudo isso se constrói através da exploração dos países de terceiro mundo, jogando suas populações cada vez mais na miséria para sustentar essa aparente justiça. O sistema está tomado, infelizmente, e a política se sustenta em cima de interesses próprios. Não há salvadores, infelizmente. Mas nós, enquanto cidadãos, podemos fazer a nossa parte, ao menos quando somos solicitados. Não desvie o olhar. Não ignore quem sofre, nem muito menos julgue. Ajude, com todo seu coração.
Nos movimentos sociais genuínos reside Deus
Felizmente, ainda há quem pense no próximo. E alguns movimentos sociais dão conta de suprir a carência do Estado, que não chega em toda parte. Por isso, são tão importantes. Pensar na coletividade é muito mais espiritual do que podemos imaginar, e, infelizmente, isso vai esbarrar na política. A espiritualidade libertadora e as lutas sociais não são realidades distintas, mas complementares em todos os sentidos.
Essa espiritualidade libertadora é o que faz esses movimentos sociais estarem ligados à Deus, pois além da consciência de que os direitos humanos precisam ser garantidos, existe a certeza de que Deus se manifesta nas lutas do povo, pois, se seu reino consiste na vida em abundância e justiça, em qualquer ação que vise à promoção e defesa da vida, dos seres humanos e da natureza, preferencialmente dos excluídos da sociedade, Deus se manifesta.
“O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância”
Quem está contra a vida, está contra Deus. Quem não enxerga o outro com clemência e empatia, age movido pelo egoísmo e interesses próprios, além de demonstrar possuir um espírito embrutecido e primitivo. Quanto maior a espiritualidade, quanto mais alto o nível de despertar da consciência, nada tem mais sentido do que o amor. E é o amor que move a caridade.
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Perdão, amor incondicional e caridade
Provavelmente nos dias de hoje, com o ódio e a ignorância que tomou conta de todas as narrativas políticas, Jesus seria desprezado. Pregou pelo pobres, rejeitou as autoridades da época e andava sempre com os menos favorecidos. Com isso não quero, de forma alguma, validar as ideias comunistas ou socialistas por exemplo, pois nenhum sistema baseado nessas ideias prosperou. Pelo contrário, foram um horror. Mas é discutível se o fracasso deles é devido às suas próprias ideias, ou se a interferência humana e sua sede de poder, culminando na corrupção generalizada, é a responsável por tantas mortes, sofrimento e pobreza que estes regimes instauraram. E da mesma forma podemos perceber o sistema capitalista, por exemplo, já que ele se baseia na produção de riqueza acessível a todos, quando na realidade, e por causa novamente da ganância humana, é um dos grandes impulsionadores da pobreza e da desigualdade. O que prova o ponto de vista que política feita por homens nas trevas está fadada ao fracasso, seja qual for a ideologia que a sustente. Enquanto o poder continuar subjugando a vida humana, nenhuma proposição política pode dar certo.
O que quero trazer à tona é que, Jesus e suas ideias voltadas àqueles que sofrem, no mundo de hoje seria facilmente rejeitado, preso e torturado ainda mais rapidamente do que foi no passado.
“Pois mais fácil é passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus”
Um defensor de prostitutas e oprimidos jamais teria espaço no mundo de hoje. Alguém que prega que era preciso abandonar os bens materiais para segui-lo, seria ridicularizado e agredido. Alimentar os pobres virou pecado mortal… Para finalizar e estimular a reflexão, ainda na cruz, Jesus pediu perdão para quem cometeu esse ato abominável, e finalizou dizendo que os ladrões também mereciam o paraíso. Aqui, na sociedade atual, seria apedrejado e morto, com toda certeza.
A política de Jesus era o amor, especialmente aos oprimidos e excluídos da sociedade. Esse amor era incondicional, ou seja, não havia atrelado a ele nenhum condicionamento ético, religioso, ou moral. Todas as pessoas eram dignas, todas elas. Ele não combina com punição e nem muito menos violência. Sua mensagem é o perdão, o amor incondicional e a caridade. Se todos os cristãos adotassem essa política, especialmente no Brasil onde temos um crucifixo na câmara dos deputados, e também no senado, as coisas seriam muito diferentes do que foram até hoje.
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