O mundo está com baixa humanidade?
Nessa situação, o trocadilho nos cai muito bem. Estamos lutando contra um vírus e nosso herói é o sistema imunológico. Ao mesmo tempo, somos um vírus para a Terra. Nossa existência aniquila suas defesas e destrói seus pilares de sustentação. Atacamos, principalmente, os pulmões do nosso planeta com o desmatamento que negamos existir. O mundo está com baixa humanidade…
Agora, são os nossos pulmões que estão sendo atacados.
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O que sustentamos com nossa sociedade
Vivemos em uma sociedade de mercado que tem como meta principal o acúmulo de capital. Isso significa, grosso modo, que pessoas tem que comprar coisas, “ter coisas”, para que a economia se sustente e a sociedade continue. São papéis que desempenhamos: através do nosso trabalho produzimos produtos e serviços e com nossos salários consumimos também produtos e serviços. Os produtos vêm das indústrias, o que faz delas essenciais para nossa subsistência. Se tivéssemos alguma consciência, esse esquema não seria tão mau. Mas nós queremos consumir, queremos comprar, queremos ter cada vez mais e queremos isso rapidamente. Então a indústria têxtil nos fornece as “fast fashions”, que usam trabalho escravo para produzir com essa rapidez que demandamos. Elas poluem muito, jogando seus dejetos químicos nas águas e produzindo toneladas de dióxido de carbono anualmente. Isso tudo para enchermos armários com roupas que às vezes ficam com a etiqueta durante anos. Quanto mais cara é a peça, mais vale a pessoa.
O mesmo acontece com a indústria tecnológica, pois precisamos ter sempre dos modelos mais atualizados dos dispositivos. As nossas coisas não acabam, elas são descartadas; a vida útil delas dura até o próximo lançamento. As petroquímicas entram com o insumo, produzindo todo o plástico que usamos em nossos produtos e fornecendo o combustível que movimenta tudo isso e polui nosso ar. As cidades e indústrias precisam de energia para funcionar, então as usinas não param de funcionar e mais barragens são construídas. Fora índios. Tchau animais. As cidades crescem, então precisamos construir mais casas e assim vamos invadindo cada vez mais a natureza. Penetrando cada vez mais em suas entranhas. Quanto mais isolada a casa, de preferência em área de reserva, mais artistas serão atraídos pelas belezas naturais do local. E com eles vem o turismo, que traz mais poluição e lixo, mas enchem as redes sociais de likes e os egos de satisfação.Também gostamos de comer e não nos importamos com o custo dos alimentos que colocamos na mesa. Nossa carne, por exemplo, tem um custo ambiental inaceitável. Nosso leite, nossas plantações de soja e milho também têm um impacto ambiental devastador. Aliás, devastar é a nossa especialidade…
Acabamos com florestas porque precisamos da madeira e do espaço que elas deixam. Nossas casas precisam de móveis, nossas roupas de viscose, nossas construções de matéria prima, nossa monocultura de plantações e nossos bois de espaço. E tudo isso também consome muita, mas muita água. E todo o lixo que é gerado vai para nossas águas. Queimamos macacos para chegar ao óleo de palma e pagamos caríssimo na nossa deliciosa Nutella. Vale lembrar que o cacau que faz boa parte do nosso chocolate vem de uma cadeia escrava do pior tipo: a infantil.
A isso tudo chamamos civilização, desenvolvimento, economia e lucro. A natureza chama de morte.
Defendemos o sistema com nossas vidas
Seguimos a lógica do capital: quanto mais você dinheiro você acumula, mais respeito você tem, mais digno você é. Incentivamos quem acumula infinitas vezes mais do que precisa e chamamos isso de sucesso. No fim, temos uma meia dúzia de famílias que possuem sozinhas o PIB de metade do planeta. Dinheiro que é mais que suficiente para salvar a economia de todos os países e acabar com a pandemia rapidamente e sem custo humano. Mas essas pessoas querem salvar o mundo? Salvar você? Não. Não querem. É daí que vem o discurso de alguns governos, que insistem que a economia não pode parar e que a quarentena deve ser ignorada.
“O capital existe, se forma e sobrevive à custa da sociedade que trabalha e nem sempre é recompensada pelos lucros que gera”
Empresários deveriam usar suas fortunas para manter salários, quem tem condições poderia usar suas reservas para manter empregados domésticos e outros serviços funcionando. Mas a maior parte dessas pessoas só está preocupada com a economia, ou seja, seus lucros, seus jatinhos, suas mansões, seu patrimônio. E querem os funcionários trabalhando, porque, afinal, se preocupam com o desemprego e com a fome. Coitados dos pobres, como eles vão sobreviver sem trabalho? Quem vai socorrê-los? Uma informação importante: a riqueza monetária do mundo está na mão de 1% das pessoas, que tem mais do que o dobro da riqueza do resto da humanidade combinada (de acordo com a Oxfam). É essa a realidade da nossa economia. E nós precisamos sair para trabalhar, expondo nossa família ao vírus e a nós mesmos, porque a economia tem que ser salva. Economia de quem? Ou melhor, para quem?
Queremos sempre mais. Em troca de coisas, entregamos as nossas vidas e fechamos os olhos para a catástrofe ambiental que estamos causando. E ao invés de acordarmos para a brutalidade dos nosso hábitos de consumo, nos entorpecemos vivendo através dos outros a vida que desejamos ter: e temos então a cultura dos influenciadores mobilizando as massas. Endeusamos pessoas que mostram valor através do que têm, da exposição de uma vida editada e manipulada, quase sempre dos sonhos, a que chamam de “conteúdo”. Casas maravilhosas, viagens incríveis, família perfeita e uma moda caríssima que chega em casa e vira vídeo de recebidos. Quanto mais likes, mais publi, mais dinheiro na conta e mais conteúdo para o canal. Acima de tudo, precisamos admirar pessoas com mais valores humanos e menos materiais.
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O ódio que nos move
A maneira como tratamos a natureza não é diferente da maneira como nos relacionamos enquanto seres humanos. Somos cheios de ódio, preconceitos e fobias, e elegemos líderes que refletem esse ódio, preconceitos e fobias. Não há nacionalidade que não sofra xenofobia em alguma parte do mundo. Não existe quem desconheça o que é racismo, que consiga negar o quanto sofre uma mulher na sociedade ou que não compreenda como somos violentos com a comunidade LGBTQ+. Nosso ódio mata mulheres, crianças, índios, gays, jornalistas, negros, islâmicos, judeus… Nossa história é cheia de inimigos da fé, do Estado e da família, que precisam ser combatidos e eliminados, muitas vezes em nome de deus. Amém.
Aceitamos um mundo em que todo um continente vive abaixo da linha da pobreza, um mundo onde pessoas morrem de fome, de sede, de frio e de doenças estúpidas porque falta hospital. Aceitamos que o Brasil tenha tantas favelas ao lado de condomínios de luxo e centros comerciais riquíssimos, o que reflete também nosso ambiente de trabalho, onde um CEO pode ganhar 100 mil por mês enquanto a faxineira que limpa o mesmo escritório recebe menos de mil. Para poucos,isso é um escândalo. Para a maioria, é merecimento e esforço pessoal. Para esses, redução de impostos e economia. Para o resto, meritocracia. Nosso desprezo em relação a pobreza é vergonhoso. Nossa maneira de classificar as pessoas é mortal. Nossos padrões são inalcançáveis e tóxicos e nossos valores distorcidos. Até a religião reflete o nosso ódio e nossa violência…
“Mantenho minha fé em nós, Do que no seu Deus que está na igreja, Que só ama quem põe na bandeja E manda pro inferno quem toma uma breja”
Ultimamente também odiamos a ciência, ela não é de deus. Já não nos importa quem tem autoridade em qualquer assunto, se a fake news viraliza convencendo pessoas das coisas mais absurdas possíveis, gerando ainda mais ódio, mortes e divisão social. É a era da narrativa, não da verdade. A verdade é que as redes que nasceram para nos unir estão nos separando. É por causa delas também que a ciência tem agonizado nos últimos anos, pois, são elas o veículo usado para disseminar notícias falsas e construir narrativas. Cientista não sabe nada, os pastores sim; precisamos preservar a “família”. Foram as redes também que ajudaram a eleger os presidentes mais odiosos da história, usando nosso ódio como combustível, nossa ignorância e medo também. Faça a América grande outra vez, construa muros e expulsem os inimigos. Brasil acima de tudo e deus acima de todos. E assim vamos.
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Essa é a humanidade: olhe para ela
Essa é a nossa verdade. Essa é a humanidade. Temos amor também, temos muita gente do bem. Mas o carma é coletivo, pois todos nós sustentamos esse sistema, essa cultura, esse estilo de vida. Focar no “bem” não resolve o problema. Rezar e alinhar os chakras também não.
Nós precisamos mudar nossa sociedade. Precisamos mudar nossa economia. Precisamos mudar nosso consumo, nossa política, nossos valores. Precisamos combater a pobreza, dividir nossa renda e aceitar nossas diferenças. Precisamos derrubar muros e construir pontes. Precisamos mudar o mundo, e só meditar não adianta… Aliás, perceber isso é o primeiro passo para despertar a mente, para deixar de ser joio e passar a ser trigo, começar a servir à luz e não à César. Voltar ao normal é o que menos precisamos. Não havia nada de normal antes e precisamos tomar consciência disso.
“Às vezes pode fazer bem ficar doente”
Essa é a grande lição do coronavírus: parem com tudo. Mudem tudo. Está tudo errado. Falhamos. O mundo está com baixa humanidade e somos o vírus que adoece a Terra. O planeta está literalmente doente. E é salvando a Terra que salvamos a nós mesmos!
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