Pandemia: rezar é suficiente?
A Terra parou. Vivemos tempos muito difíceis, que tornam o futuro incerto. Pela primeira vez na história humana, todas as nações têm um inimigo em comum e focam seus esforços na mesma direção. Uma comunhão que, apesar de assimétrica, exige que a união faça a força. É hora de trocar, convergir, ser solidário. A salvação só se dará pelo coletivo.
“A caridade é um exercício espiritual… Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma”
Não há nada mais espiritual e aguardado pelos que partilham os conhecimentos espirituais do que essa união, e, é claro, a conexão com a luz está muito forte agora. Não só as nações se encontram de joelhos, mas também as pessoas, que buscam conforto, força e auxílio nos amigos invisíveis e clamam a Deus pelo fim do mal que agora acomete o planeta. Nunca se rezou tanto e essa energia é mesmo incrível. Mas será que só orar vai resolver a situação? Rezar é suficiente?
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Espiritualidade na prática
Não. Rezar neste momento é muito importante, mas a realidade que enfrentamos exige ações mais concretas. Se isolar, para aqueles que podem, lavar as mãos como se não houvesse amanhã e cuidar daqueles que amamos. Essas são medidas que já conhecemos e que muitos estão seguindo. Mas há muito mais a fazer.
Nas redes sociais, o refúgio da distração e informação de todos que se encontram confinados, vemos que a fé está em alta, mas também está o ego, uma manifestação típica deste meio. Nunca houve tantas lives, tanto conteúdo vindo de toda a parte e de todo tipo de gente. E boa parte deles tem causado ansiedade, pois, a pretexto de motivar outros, nos inundam da exuberância altamente produtiva daqueles que não suportam o silêncio e a estagnação. Precisam se mexer, precisam se exercitar, cozinhar e criar todo tipo de atividade que traga algum tipo de normalidade para uma realidade tão anormal. É preciso mostrar, é preciso dizer ao mundo “olha eu fazendo exercícios”, “olha eu cozinhando”, olha eu sendo uma mãe exemplar”, “olhem como sou forte e enfrento da melhor forma isso tudo”. Olhem como sou abençoada e evoluída. Eu, eu, eu. O discurso motivador veste a roupa da solidariedade, mas, por dentro, está cheio da necessidade de atenção e de aprovação, da construção de uma narrativa manipulada que dá a essas pessoas a ideia de que a vida pode ser editada, assim como os posts que compartilham.
Até aí, nenhuma novidade. Essa exposição controlada e artificial nas redes é o que as alimenta. Só que agora é a vez do nós, e não do eu. E a fé faz parte desse cenário autocentrado, da tentativa de construir uma narrativa perfeita para vidas que são comuns, ordinárias, normais. E a espiritualidade está agora misturada nesse caldo, em que fica difícil separar o que é genuíno do que é artificial. De dentro de casas bonitas e geladeiras cheias, influenciadores e celebridades transmitem mensagens bonitas, inspiradoras, e falam em Deus. Falam em rezar, querem salvar a humanidade através da força da oração. Mas param por aí, mostrando que falar é mais importante que fazer, e então vemos novamente o ego surgir. Poucos conseguem, de fato, colocar em prática esse discurso solidário e empático que gostam de exaltar. Quem tem fome quer comida. Quem tem dor, remédio. Quando chega o frio, só um agasalho esquenta o corpo. A oração nesses casos é secundária, não enche barriga e nem resolve a situação urgente de alguns. É preciso praticar. Rezar é necessário, já que a força espiritual que emana de cada coração em oração tem um poder mais forte que uma bomba atômica, mas, agora, é preciso mais do que isso.
Materializando a empatia
O Brasil é um país que, infelizmente, já possui algumas tragédias próprias. Muita gente trabalhando na informalidade, muitas comunidades carentes e uma população de rua escandalosa. Mais da metade dos brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. E essa desigualdade social é um dos fatores altamente mortais em uma pandemia, elemento que nenhum outro país que está enfrentando essa crise possui. Nas favelas, não há sequer água ou tratamento de esgoto, que permita que a doença possa ser amenizada através da lavagem das mãos. Álcool gel então, é um artigo de luxo para a maior parte dessas pessoas. Outro fator muito importante é entender que, nesses lugares, vivem famílias inteiras aglomeradas em um ou no máximo dois cômodos, o que torna o isolamento dos grupos de risco e dos infectados impossível. Essa é a realidade que enfrentamos, e é para ela que devemos direcionar a nossa empatia e solidariedade.
“Aquele que tem caridade no coração tem sempre qualquer coisa para dar”
Veja, existem duas quarentenas no Brasil: a da classe média e classe média alta, que se ocupa de questões não essenciais como, por exemplo, o que fazer com o tédio, quais os melhores filmes e séries para assistir, livros para ler e como conviver com as crianças. Já a crise que atinge as classes mais baixas, tem a ver com sobrevivência, com como comprar alimentos e se manter durante esse período; home office não é possível para todos. As desigualdades sociais nunca estiveram tão escancaradas como agora, apesar da ignorância bestial de algumas figuras públicas que classificam o vírus como um “herói que proporcionou a famigerada igualdade”. Dá pena e muita tristeza ouvir essas pessoas falar, de dentro de suas mansões altamente protegidas e com geladeiras fartas de alimentos.
E sim, o vírus já encontrou o caminho das favelas. Para esses, a oração tem pouco efeito agora. É preciso fazer mais para evitar essa tragédia que se anuncia, é preciso agir. É preciso ajudar, partilhar, proteger, doar. Isso é espiritualidade real, isso é agir em nome de Deus, tendo ações concretas que de fato podem mudar vidas. A oração deixamos para depois, após essa urgente interferência material. Se você pode, ajude o comércio local. Evite os grandes conglomerados, pois, para estes, o capital não vai faltar e o prejuízo será superado. Evite, especialmente as empresas que defendem que a economia não pode parar, que se dizem preocupados com a pobreza quando sua única preocupação é com os próprios lucros e perdas. Há muitas empresas ajudando, e há muitas que não entendem que o valor vida nunca será ultrapassado pelo valor dinheiro. Se você pode, dispense seus funcionários e garanta o sustento deles. Se você tem um personal trainer, um profissional que passeia com seus cachorros, uma manicure ou qualquer outra pessoa que lhe preste serviços, pague o que puder e ajude essas pessoas a passar pelo distanciamento social com o mínimo necessário para sobreviver. É hora de ajudar os lares, abrigos, ongs e todas as instituições que precisam de doações para continuar. Ajude os hospitais com doações, inclusive de sangue; muitos estão precisando. É a hora de ajudar seu vizinho idoso, sua empregada, o faxineiro, porteiro, qualquer pessoa que precise. É hora de fazer chegar no morro a comida, a água, os remédios, a paz. O amor. A solidariedade na prática é o que sustenta a verdadeira espiritualidade.
Se junte aos projetos que estão surgindo para socorrer e preservar as favelas. Devolva a sociedade o que ela deu a você. Chegou a hora de mostrar que a sua empatia vai além da oração que você posta nas redes. É hora de dar, dividir. Rezar ajuda, é ótimo, mas não vai salvar ninguém da vulnerabilidade agora. Postar nas redes sua positividade e exuberância só traz conforto para seu próprio coração e massageia o seu ego, que precisa dessa exposição de “gratiluz” para se sentir satisfeito. É hora de mostrar que somos todos um de fato, apesar das diferenças que separam quem mal tem o que comer daqueles que vivem em palácios cercados de empregados. Somos todos um, mas não somos todos iguais.
O coração solidário não depende de dinheiro, crença, etnia ou ideologia para pulsar. Ele simplesmente é. A oração vai nos ajudar e é poderosa, mas o que vai salvar o mundo agora são as ações que tenham como alicerce a empatia e a solidariedade. Não podemos mudar o fato de que um vírus está atacando a humanidade… E há muita gente precisando de você.
“Fora da caridade não há salvação”
Por uma quarentena com menos treino fitness, menos culinária, menos publi, menos “eu” e mais “nós”. Positividade apática intoxica, mas a ação transforma. Oremos, mas, acima de tudo, vamos agir.
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