Pandemia: solidariedade genuína ou marketing pessoal?
Essa é uma crítica muito comum na era digital. Pode ou não pode viajar para a África e compartilhar nas redes? Doar sangue precisa ser postado? A cesta básica que você está comprando precisa ser noticiada?
Na pandemia, esse velho hábito de julgar as ações alheias fica ainda mais fortes. E, com a politização do vírus, também fica fácil menosprezar a atitude de alguns governos em relação à pandemia, alegando que eles estão usando a crise como alavanca política para reeleição. Mas espere um minuto… O que é mesmo que você está fazendo? Até que ponto o que é certo, mesmo que seja movido pelo marketing, pode ser diminuído?
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As virtudes são silenciosas e humildes
Para começar essa reflexão, vamos buscar auxílio na história da filosofia moral. A suspeita sobre a virtude auto-proclamada é antiga: desde Santo Agostinho, passando pela idade média e chegando a autores como Pascal, temos a identificação da divulgação das virtudes como um pecado capital do orgulho e da soberba, vindo de pessoas que são vaidosas e mentirosas. As “coisas” não devem ser ditas, mas reconhecidas pelos outros. É o outro que ajuíza e identifica o que é uma ação virtuosa ou não.
“Um pecador que se sabe um pecador é infinitamente mais confiável do que uma pessoa que se acha do bem”
As virtudes são a nossa essência como seres humanos, elementos do nosso espírito, o conteúdo do nosso caráter. Cultivá-las é parte central da nossa evolução como pessoa, especialmente quando desejamos uma evolução moral e espiritual. Para Aristóteles, a definição de virtude é de “hábitos dignos de louvor”, uma disposição para a prática do bem que se adquire com o hábito. Portanto, pode (e deve) ser exercitada, o que significa que ela não nasce pura como alguns pensadores a idealizaram. Talvez as ações que não são totalmente genuínas ainda não sejam virtudes completas, mas, a medida em que as pessoas decidem exercitar suas inclinações à prática do bem, mais e mais suas ações vão se construindo como virtudes e moldando o espírito nessa fôrma. Alguns exemplos de virtudes são a coragem, integridade, determinação, disciplina, honestidade, respeito, justiça, lealdade, tolerância, paciência, otimismo, bondade, perdão, alegria, gratidão, humildade, empatia, compaixão e amizade. E todas elas podem ser trabalhadas, para fazer de nós seres humanos ainda melhores.
Para muitos pensadores, as virtudes só são virtudes quando reconhecidas pelo outro. Somente o outro pode enxergar em nós as nossas virtudes, por isso, elas são silenciosas. Nosso alarde em torno delas não serve de nada, e quase sempre a imagem que fazemos de nós (especialmente aquela que fazemos questão de passar adiante) não são fiéis ao nosso verdadeiro “eu”. Sabe aquela expressão “gente de bem”? Pois é. Não raro, quem usa essa expressão para falar de si quase sempre está muito distante do bem. Quem se acha do bem, quase sempre não é confiável, pois expressa através dessa autoimagem positiva sua vaidade. E quando a vaidade é quem domina, perde-se a abertura para críticas construtivas e o aprendizado que é típico da experiência encarnatória na Terra.
Mesmo nascendo do marketing, boas atitudes tornam o mundo melhor
Saindo do campo da filosofia, vamos pensar de forma mais prática. Imagine um mundo onde todos agem da melhor forma, pois tentam construir uma boa imagem pessoal. Baseiam seus comportamentos no quanto eles alimentam a vaidade relacionada a boa imagem. Como seria esse mundo? Certamente muito melhor do que esse. Ser bom e fazer a coisa certa tem impactos positivos que não sabem diferenciar se a boa ação veio do coração, ou se nasceu do desejo de agradar a si mesmo e da vaidade. Um dinheiro doado para um abrigo de crianças é um dinheiro doado para um abrigo de crianças. E ponto.
Se a pessoa tem a necessidade de fazer alarde de suas boas ações ou não, só cabe a ela tentar avaliar de onde vem essa necessidade e tentar trabalhar sua personalidade para não precisar tanto de aprovação alheia. Esse é o caminho. São pessoas que precisam passar uma imagem positiva de si, pois, provavelmente possuem uma autoestima prejudicada (como boa parte das pessoas que vivem nesse mundo) e precisam ter controle sobre sua imagem. Elas têm grande satisfação quando sentem que são validadas e aprovadas e buscam receber essa atenção passando uma imagem de “boa gente”. E qual é o problema? Para essas pessoas, alguns. Para o resto do mundo, nenhum.
“Alguns elevam-se pelo pecado, outros caem pela virtude”
É como agora. Muitos políticos estão usando a pandemia em benefício de suas carreiras políticas. Tomam medidas populares e polêmicas, tentando projetar as vontades de suas bases eleitorais e seguir tendo apoio. De certa forma, é isso que sempre movimentou essa galera. Quem acha que algum político (especialmente no Brasil) tem interesse genuíno na felicidade e bem-estar do povo, não entende nada de política e nem de mundo. Se estão capitalizando apoio através de medidas corretas, quem se importa? Eu lá quero saber se a quarentena imposta em São Paulo, por exemplo, é realmente uma medida que vem do coração do governador ou se ele está de olho nas urnas? Se as medidas são corretas e seguem a ciência e as recomendações das instituições de saúde internacionais, são elas que vão proteger a minha família. Logo, deixa de ter importância de qual setor emocional elas começam.
Se minha casa está em chamas, a última coisa que eu quero saber é qual a ideologia do bombeiro, se ele é bombeiro devido a uma vontade verdadeira de servir ao mundo ou se é o ego dele que fica inflado quando ele apaga um incêndio. Se ele apaga o fogo da minha casa e salva minha família, no fim das contas isso é tudo que importa.
Já o contrário não deve ser tolerado. Pessoas que chamam de virtude comportamentos que atendem a interesses próprios e prejudicam a vida comum devem ser rejeitados pela sociedade. Isso está acontecendo no Brasil. Uns escolheram se promover fazendo o que é certo em relação a pandemia. Outros têm medo de que a queda da economia prejudique sua reeleição e não pensam duas vezes em incentivar que as pessoas sustentem a economia com a própria vida. Um líder que aceita sacrificar seu povo em nome do poder, ideologia ou carreira política, não merece respeito e não está a altura do cargo que ocupa. O valor vida é inegociável e vai cobrar seu preço. No colo desses tipos devemos jogar todos os nossos mortos e fazer com que a história nunca esqueça seus rostos. Que sejam lembrados com vergonha e se tornem sinônimo de desonra, ficando eternamente assombrados pelos fantasmas dessa pandemia.
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