Platão: precursor de Allan Kardec?
“A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento”
Platão seria hoje, provavelmente um pensador considerado mais esotérico e alguns o colocam como o precursor das ideias de Allan Kardec, mostrando que a ideia espírita é tão velha quanto o próprio tempo e já na Antiguidade podemos perceber o clarão dessas verdades eternas.
Um dos filósofos mais importantes da história do pensamento, Platão contribuiu na construção dos alicerces da filosofia ocidental e da ciência e trouxe muita iluminação para a humanidade. O conceito de ensino superior que temos até hoje nasceu quando ele funda a primeira instituição de ensino, a Academia de Atenas. Tendo Sócrates como mentor e Aristóteles como discípulo, sua filosofia é marcada pela investigação de diversos campos do conhecimento humano: ética, lógica, estética, ontologia. O método platônico era a dialética, procedimento que consiste em conhecer a realidade através da discussão de posições contrárias, até estabelecer a validade de uma e a falsidade da outra.
Encontramos a metafísica em muitas das ideias de Platão. A matéria, diz Platão, é, por essência e por natureza, algo imperfeito, que muda constantemente passando de um estado a outro, contrário ou oposto. Assim, do mundo material só nos chegam as aparências das coisas. Ele propõe que a filosofia abandone o mundo sensível e ocupe-se com o mundo verdadeiro, invisível aos sentidos e visível apenas ao puro pensamento.
A divisão que a filosofia platônica faz quando considera a existência de dois mundos inteiramente diferentes e separados, pressupõe a ideia da possibilidade de uma vida que preexiste o mundo e que continua após ele, onde o acesso ao mundo ideal é feito pelo conhecimento, pela consciência. A alma é, então, imortal.
E não são esses os conceitos espirituais que alimentamos hoje? A ideia é tão completa que cabe até mesmo dentro dos discursos religiosos.
Demiurgo, o artesão divino
O pensamento cosmológico de Platão concebe um criador, um artesão divino que é a causa da alma no mundo. Chamado de Demiurgo, essa entidade teria o papel de tentar fazer seu produto mimetizar o modelo eterno das formas. A meta perseguida pelo demiurgo platônico é o bem do universo que ele tenta construir, sendo o Demiurgo uma figura neutra, indiferente ao bem ou ao mal, responsável pela coordenação criativa do cosmos.
Aqui já temos indícios de que o pensamento de Platão se encaixa nas gênese tradicional, onde a alma tem uma causa, uma entidade criadora e existe um elemento ordenador da natureza, um princípio inteligente do cosmos.
Reencarnação e Mito de Er: o rio do esquecimento
Essas passagens da rica obra de Platão soam como Allan Kardec e a doutrina espírita. A noção de reencarnação é evidente, onde temos uma alma pura, de origem cósmica, desperta e consciente, mas que vive na Terra uma realidade distorcida que seria uma cópia imperfeita da realidade ideal.
Platão narra que um guerreiro chamado Er morreu e foi levado para o reino dos mortos, regressando depois à vida. Ali chegando, encontrou as almas dos heróis gregos, governantes, artistas, antepassados e amigos. Nesse local as almas contemplavam a verdade, possuíam o conhecimento verdadeiro e todas elas renasciam em outras vidas para se purificarem de seus erros passados, até que pudessem permanecer na eternidade. Antes de voltar ao nosso mundo, as almas podiam decidir a nova vida que teriam, escolhendo ser reis, guerreiros, ricos comerciantes, artistas ou sábios.
Porém, para que esse processo pudesse ocorrer, as almas tinham que atravessar o rio Lethé – que em grego quer dizer esquecimento – e beberem de suas águas. As que bebiam muito esqueciam toda a verdade e as que bebiam pouco, quase não esqueciam de nada que conheceram. O mais interessante é que, para Platão, as que escolhiam vida de rei, de guerreiro ou de comerciante, eram as almas que mais bebiam das águas do esquecimento. Já as que optavam pela sabedoria e pelas artes, pouco bebiam do rio do esquecimento e estavam mais próximas do divino.
A alegoria platônica dá margem para muitas reflexões e analogias possíveis com o universo espiritual. É espantosa a concepção de Platão acerca da imortalidade da alma e o fato de que ela existe em outro lugar antes da vida na Terra. Para Platão, o homem é a união da alma e do corpo, sendo a alma a essência do corpo, a detentora das idéias. Alma é o princípio do movimento e da vida, portanto imortal.
As repetidas experiências de vida na Terra como forma de retornar ao eterno, através do conhecimento e aprendizado, deixa claro que são as atitudes dos homens na Terra, seus valores, seus objetivos, seus desejos que os fazem mais ou menos acessíveis às verdades eternas. A riqueza seria uma grande cilada, já que quando amamos a riqueza somos iludidos por ela e esquecemos de nós mesmos, negligenciando a alma. Além disso, seria permitido às almas o planejamento de suas existências terrenas antes de chegarem na Terra, percepção que deixa ainda mais completa a cosmologia platônica.
Conhecer, diz Platão, é recordar a verdade que já existe em nós. Ou seja, a verdade está dentro de nós pois nós Somos a verdade.
Mito da caverna e o despertar espiritual
O mito da caverna está na obra A República e trata da libertação da condição de escravizadora da ignorância através da verdade e do conhecimento. É uma alegoria que trata da condição humana de maneira atemporal, fonte de conhecimento inesgotável onde é trabalhado o conceito de mundo das ideias.
A alegoria
No interior de uma caverna estão seres humanos, acorrentados, vivendo na escuridão do interior da caverna. De costas para a entrada, ou seja, para a luz e para a realidade, só conseguem experienciar as sobras. Tudo que eles conhecem do mundo e de sua condição são as sombras que são projetadas no interior da caverna por uma fogueira, que reflete no fundo da caverna os movimentos que acontecem na realidade. Estão impedidos, inclusive, de ver a si próprios e também uns aos outros. Eles ouvem os sons que vêm do exterior e enxergam somente uma parte, uma ilusão, acreditando serem as sombras a realidade, tudo que existe. Até que um dos prisioneiros é libertado. A luz machuca seus olhos, tudo parece absurdo e a vontade de voltar ao conforto do conhecido é enorme. A nova realidade é tão diferente que é quase insuportável. Se lhe dissessem que o presente era real e que as imagens que anteriormente via eram uma ilusão, ele certamente não acreditaria.
A questão é: mesmo que ele compreendesse sua nova realidade e pudesse retornar à caverna, o que diriam os outros prisioneiros sobre a boa nova? Será que acreditariam que a luz existe e que tudo que eles conheciam era uma ilusão?
Provavelmente esse prisioneiro que foi libertado não seria levado a sério. Quando descrevesse os efeitos da luz em seus olhos, que quase o deixou cego, provavelmente a conclusão do grupo seria que sair da caverna causa graves danos e por isso não deveriam sair dali nunca. Se pudessem, matariam quem tentasse tirá-los da caverna.
O mito da caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, no que diz respeito à importância do conhecimento e educação como forma de superação da ignorância. E do que mais trata o despertar da consciência? Não estamos nós mesmos tomando como realidade o que a caverna nos apresenta, iludidos com os fantasmas que vemos?Certamente. E se assim não fosse, o mundo seria uma perfeita emanação divina, já acabado, o paraíso. Não precisaríamos buscar a verdade para sair da nossa caverna.
O mais impressionante nessa alegoria é a metafísica que ela contém, considerando que foi escrita antes de Cristo. É uma ideia que continua totalmente atual, especialmente em tempos de modernidade e internet, onde as imagens têm um peso gigante e parecemos todos hipnotizados por elas. Estamos, em termos sociais, mais distantes de nossa alma do que nunca, já que nunca houve tanto conhecimento e informação disponíveis. Porém, o uso que fazemos dessas ferramentas é fútil, refletindo a ilusão que aprisiona nossas almas.
Ainda somos os mesmos. Matamos com Deus, sem Deus, apesar de Deus e contra Deus. Escravizamos pessoas em nome do consumo e do falso progresso. Viramos as costas aqueles que não tem o que comer, pensando que ou Deus os está castigando ou que não se esforçaram o suficiente para saírem daquela situação. Desejamos acumular, nunca compartilhar. Caridade sempre, justiça social jamais. Somente o despertar, somente a descoberta do espírito e da nossa origem cósmica é que pode nos libertar dessa situação terrível que nos encontramos, para que possamos libertar a outros. E Platão sabia disso há mais de 2000 anos.
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