O Nobel da espiritualidade de 2019 é de um brasileiro
Você sabia que existe um prêmio Nobel da Espiritualidade? E que um brasileiro já recebeu esse prêmio? Sim, a espiritualidade atingiu esse nível de importância, onde a sociedade premia figuras de destaque que tratam desse tema.
“Devemos ter a humildade para aceitar que estamos rodeados de mistério”
O astrônomo e físico brasileiro Marcelo Gleiser, de 60 anos, foi anunciado em março como vencedor do prêmio Templeton, considerado o “Nobel da espiritualidade”. Marcelo é o primeiro da América do Sul a receber a honraria já entregue a Madre Teresa de Calcutá e ao Dalai Lama. Incrível, não?
O Prêmio Templeton
Sabemos que a espiritualidade não é contemplada pelo tradicional Prêmio Nobel, embora essa categoria possa premiar figuras ilustres do universo religiosos e espiritual como Madre Teresa de Calcutá, laureada com o Nobel da Paz. Mas observe que ela não foi premiada por sua espiritualidade, totalmente irrelevante para a construção dos ganhadores que, de alguma forma, são considerados promotores da paz no mundo. É tentando preencher essa lacuna que o prêmio Templeton foi criado, pois, o único foco da organização é o reconhecimento do pensamento metafísico e espiritual e é por isso que é conhecido como o Nobel da espiritualidade.
O Prêmio Templeton é uma condecoração anual atribuída pela Fundação John Templeton, uma organização filantrópica com uma essência espiritual que financia pesquisas interdisciplinares sobre o propósito humano e espiritualidade. O prêmio, estabelecido em 1972, é entregue a uma pessoa viva que, pela ótica dos juízes, tenha contribuído de forma excepcional para a afirmação da dimensão espiritual, seja através de uma introspecção, descoberta, pesquisa, publicações ou trabalhos práticos.
O prêmio é nomeado devido a Sir John Templeton, um investidor, banqueiro, administrador de fundos e filantropo nascido nos Estados Unidos e radicado no Reino Unido. Sir John Templeton foi consagrado cavaleiro pela Rainha Elizabeth II em 1987, devido aos seus esforços filantrópicos e ajuda s minorias e pessoas em situação de risco. Até 2001, o nome do prêmio era Templeton Prize for Progress in Religion, mas, a partir desta data, passou a ser chamado de Templeton Prize for Progress Toward Research or Discoveries about Spiritual Realities.
O prêmio tem sido habitualmente presidido pelo Príncipe Philip em uma cerimônia no Palácio de Buckingham. Imagine que sonho: ser uma pessoa que trabalha com espiritualidade, receber um prêmio da mais alta honraria da área, ganhar uma quantia em dinheiro que resolve a vida de qualquer um e, para finalizar, uma cerimônia no palácio de Buckingham com direito a um oi do príncipe.
De acordo com a fundação, a honraria é entregue a profissionais que tenham feito “uma contribuição excepcional para afirmar a dimensão espiritual da vida, seja por insights, descoberta ou trabalhos práticos”. Como pilar, a organização tem sua base fundamentada em perguntas como: nós habitamos qual porcentagem do universo? Nós temos livre arbítrio? A evolução é unidirecional? Somos imortais? O universo foi criado? O que é o amor?
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Marcelo Gleiser: o grande ganhador
O Brasil é um dos países mais espiritualizados do mundo, onde a fé é sincrética e tudo é permitido. Nossa abertura para a diversidade metafísica é única e muito especial. Por isso, é além de justo, uma grande honra para o país ver o trabalho excepcional de um filho seu ser reconhecido de forma tão ilustre. E essa honra tem nome: Marcelo Gleiser.
Marcelo Gleiser nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de março de 1959. Gleiser é físico, astrônomo, professor, escritor e roteirista brasileiro, atualmente pesquisador da Faculdade de Dartmouth nos Estados Unidos. Ficou muito famoso no Brasil devido às suas colunas de divulgação científica na Folha de S.Paulo. Escreveu nove livros em português e cinco em inglês, publicou três coletâneas de artigos e participou de muitos programas de televisão no Brasil e fora dele, incluindo o Fantástico, onde obteve grande projeção.
Gleiser teve sua curiosidade pela ciência despertada por meio da admiração pela natureza. Cursou Engenharia Química por dois anos, transferindo-se para o curso de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde graduou-se em 1981. No ano seguinte, fez mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e, em 1986, obteve seu doutorado no King’s College, da Universidade de Londres, na Inglaterra.
Em 1988, Gleiser recebeu o Prêmio Jabuti pelo livro A Dança do Universo, e, novamente em 2002, quando foi premiado por O Fim da Terra e do Céu. Em 2007 foi eleito membro da Academia Brasileira de Filosofia, um grande marco em sua trajetória.
Gleiser tem uma história incrível e é no campo da física e astronomia que Marcelo expressa sua narrativa sobre a espiritualidade, o que lhe rendeu o estimado prêmio. É através dessa relação entre ciência e dimensão espiritual que Gleiser consegue expressar sua visão de mundo e encantar a todos.
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As ideias de Marcelo Gleiser
O pensamento de Gleiser é tão rico, que fica difícil resumir ou determinar um tema central que não seja espiritualidade. O foco da pesquisa de Gleiser é o surgimento de estruturas complexas da natureza para descobrir o sentido da vida e nosso lugar no grande esquema das coisas e no mundo. Para isso, ele tem como foco questões fundamentais relacionadas ao que chama de “três origens”: a origem do universo, a origem da matéria e a origem da vida na Terra e em todos os lugares do cosmos.
“Nossa galáxia, a Via Láctea, é apenas uma entre bilhões de outras, sendo sua posição perfeitamente irrelevante. Nosso planeta não ocupa uma posição especial no sistema solar, nosso Sol não ocupa uma posição especial em nossa galáxia, e nossa galáxia não ocupa uma posição especial no Universo. O que temos de especial é a habilidade de nos maravilharmos com a beleza do cosmo”
Gleiser usa da física e astronomia, ou seja, da própria ciência para relacionar as evidências sobre a existência da metafísica na realidade tangível. Seu pensamento é amplo e completo, unindo doutrinas milenares como hinduísmo ao brilhantismo de Einstein, passando pelo psicoterapeuta suíço Carl Jung e costurando a história das crenças humanas e das descobertas sobre a origem do universo em uma teia de pensamento incrível. Gleiser coloca questões como a semelhança das conclusões entre mitos milenares e ciência moderna, a similaridade entre a matemática e as crenças, a capacidade de pensamento e repertório do homem para compreender sua origem e a lacuna científica que não explica como átomos inanimados viraram criaturas vivas, algumas delas capazes de refletir sobre a própria vida. A diversidade da vida também é confrontada com o acaso, a explicação tradicional da ciência para a origem da vida no planeta.
“A ciência não pode ser usada para negar coisa alguma, ela só pode ser utilizada para confirmar alguma coisa… E no Brasil, ateísmo é fé”
Essa dança entre ciência e espiritualidade que Gleiser apresenta com brilhantismo é extremamente rica e esclarecedora, pois preenche todos os espaços deixados pelo método científico e pelas narrativas religiosas, fazendo da união entre esses dois universos uma aproximação da verdadeira origem do homem de forma sincera, racional e equilibrada. Através de seu trabalho, podemos constatar uma verdade que a ciência jamais vai admitir: ateísmo e método científico não combinam, como afirma o próprio Gleiser. Ele vê com pesar a tentativa quase todos os cientistas de “matar deus” e o esforço da em não reconhecer e investigar as evidências sobre a espiritualidade, se recusando a avançar com conclusões vindas de evidências que gritam na cara dos cientistas a dimensão espiritual da nossa existência, especialmente após os avanços na área quântica. Nessa disciplina, as leis tradicionais da física não se aplicam e as pesquisas mostram resultados que se aproximam muito mais da espiritualidade do que do ceticismo pregado pela ciência, com status de religião. É com religiosidade e uma fé cega que eles afirmam que não existe nada além da matéria, mas Gleiser foge ao padrão e não é um deles; ele consegue derrubar esse consenso e oferecer uma visão incrível, moderna e realista sobre a gênese humana, sem deixar a racionalidade de lado e nem apelar para respostas fáceis e confortáveis que as massas adoram ouvir.
É claro que essa visão está longe de endossar o deus bíblico ou religioso, pois o trabalho de Gleiser aponta para a beleza do cosmos como força criadora e razão da existência, construindo uma espiritualidade ampla e pautada pela relação do ser humano com o mistério da existência. O que deixa seu trabalho ainda mais interessante, distante das ilusões e dogmas religiosos e muito próximo das verdades que cercam a vida humana. Apesar de cientista, Gleiser rejeita a noção de que exclusivamente a ciência pode chegar a verdades sobre a realidade, buscando com seu trabalho colocar a ciência como uma ferramenta de nossa busca por um entendimento maior da condição humana para além da materialidade.
A contribuição de Gleiser para o pensamento humano é realmente excepcional e o prêmio Templeton recebido por Gleiser é merecido e um orgulho para o Brasil.
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