Quarentena: você não precisa produzir o tempo inteiro
Ficar em casa é uma condição passageira, mas extremamente necessária. Para algumas pessoas é até fácil, mas, para a grande maioria, não. Não completamos nem 30 dias de quarentena no Brasil, e muita gente já diz não aguentar mais. Tédio, ansiedade, sensação de prisão e saudades da família são as principais reclamações, além da tensão natural da situação. Mas, há algo acontecendo e que fala muito sobre a nossa sociedade: a incapacidade que temos de parar. Simplesmente parar. Isso também é um sintoma da desconexão espiritual, pois mostra que as pessoas parecem ter pavor de estarem consigo mesmas, em contato com suas emoções.
“A vida é muito curta para que se perca tempo em uma existência medíocre”
Nas redes, vemos uma exagerada valorização da produtividade que tem contribuído muito para gerar ainda mais ansiedade. Então, surge a pergunta: o que há de errado em parar?
Cultura de produtividade: um mal da modernidade
Não é de hoje que somos incentivados a produzir o máximo possível, cobrança que já extrapolou as barreiras do trabalho. Já não bastassem as cargas pesadas de trabalho que exigem alta performance e inovação, agora essa visão está atacando também a nossa vida pessoal. Se a sua vida não for corrida, se você não estiver a todo instante produzindo, algo deve estar errado.
E o curioso é que estamos o tempo todo reclamando da falta de tempo, do quanto a vida tem sido dinâmica e apressada, mas quando somos obrigados a parar não sabemos o que fazer com o tempo que agora temos. E então entramos nesse looping novamente, com essa ideia quase fixa de que a produtividade exacerbada significa algo importante, que dá sentido à vida e valida os caminhos escolhidos. É uma falsa ideia de que “ainda não chegamos lá, mas estamos no caminho”, onde quer que seja esse “lá”. E agora, durante a quarentena, as redes têm demonstrado a enorme pressão pela produção. O que é um absurdo, especialmente durante esse período de pandemia. Já temos preocupações demais.
Mesmo quem está trabalhando em casa, ao invés de diminuir um pouco o ritmo e aumentar a qualidade de vida, parece que está direcionando o tempo livre para uma série de atividades das mais variadas naturezas. É preciso fazer receitas incríveis. Cuidar do corpo. Aprender um idioma novo, ler todos os livros que não conseguiu até hoje, se tornar uma mulher empreendedora. Na crise. Sim, empreender na crise tem sido tema de muitos cursos e encontros virtuais, pois é preciso transformar a quarentena e uma experiência transformadora.
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Qual o problema do ócio?
Se pararmos para pensar, nenhum. Aliás, tem quem diga que algumas horas de ócio por dia trazem um bem-estar enorme, o que impacta inclusive na nossa saúde. Há quem crie a partir do ócio. Mas, o que estamos testemunhando é a confirmação de uma verdade dita há tempos: toda essa farsa do movimento contínuo serve para mascarar o vazio das pessoas. É isso. É por isso que elas não conseguem parar e se forçam a correr atrás da “cenoura imaginária” o tempo todo, ainda mais agora.
“A questão essencial não é “o quanto ocupado você está”, mas sim “com o que você está ocupado”
Na vida antes da quarentena, as pessoas tinham menos tempo para pensar em si mesmas, seus traumas, desejos e alma. Elas acordavam, corriam para o trabalho e passavam o dia resolvendo questões relacionadas a ele. Depois, algumas iam para casa e começavam uma segunda jornada, enquanto outras iam para a academia se exercitar, fazer algum curso ou encontrar amigos. Depois, chegavam em casa tão cansadas, que não sobrava tempo de refletir sobre nada, de resolver nada de dentro delas. Elas iam para a cama, apagavam e recomeçam tudo no dia seguinte. Então, quando essas pessoas ficam impedidas de preencher o tempo com uma atividade atrás da outra, enlouquecem. O resultado é essa avalanche de lives, cursos, e todo um conteúdo que estimula as pessoas a fazerem qualquer coisa que seja. Você só não pode parar. Você vai ficar para trás, você será ultrapassado.
Esse é o problema do ócio: o vazio e a ideia amplamente difundida pelo universo coaching de que você “deve trabalhar enquanto eles dormem”. É praticamente um mantra. Mas de mantra não tem nada, pois é uma visão tão tóxica quanto lixo radioativo. Mas isso é assunto para outro artigo.
A conexão espiritual e o vazio
Essa incapacidade de lidar com as emoções têm bastante a ver com a espiritualidade. Ao contrário de algumas igrejas, a espiritualidade é calma. Tranquila. Silenciosa. Ela exige desacelerar a mente, não o contrário. Ela precisa que se olhe para dentro, e esse mergulho interno é o que promove o único tipo de conhecimento que é realmente válido nessa vida: o autoconhecimento. Diplomas, cursos e cargos nunca serão capazes de proporcionar paz de espírito, felicidade plena, realização. É por isso que nossa sociedade está tão deprimida, pois busca nas coisas materiais o que só o espiritual pode dar. Aprisionamos nossas almas nesse turbilhão da rotina moderna, através desse movimento incessante da mente e do corpo que arrastamos de um compromisso a outro, de uma obrigação a outra. Sorrimos, mas por dentro estamos destruídos. E, quanto mais tentamos preencher esse vazio com coisas, mais infelizes ficamos e mais nos sentimos pressionados para nos ocupar.
“A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”
É na espiritualidade que encontramos refúgio. É na meditação que damos voz a nossa alma e conseguimos nos conectar com a nossa verdadeira casa espiritual. É deixando florescer em nós luz e sombras, certezas e inseguranças. É tomando conhecimento de nós que conseguimos alguma evolução na experiência da encarnação. Todo o resto, é resto. São coisas que criamos, iludidos, para obter da vida alguma satisfação. E agora não é suficiente só ter, é preciso compartilhar, fazer sempre um grande alarde e mostrar para o outro que conseguimos, que temos, que compramos, que alcançamos. E muitas dessas “coisas” podem ter certa serventia, desde que não nos tornemos escravos delas. Precisamos trabalhar, mas não somos o nosso trabalho. Precisamos estudar, mas não somos o nosso intelecto. Somos muito mais, e, quando paramos, somos obrigados a entrar em contato com tudo aquilo que escondemos debaixo do tapete. Por isso, saiba que ser altamente produtivo na “experiência transcendental da quarentena” é uma cilada. Não é isso que pede o momento.
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Vá com calma e faça o que te faz bem
A primeira coisa que devemos pensar nesse momento é em nosso bem-estar e no bem-estar de quem amamos. Estar com a família, com os filhos, é um prazer que todos deveríamos saber valorizar. Estar com eles verdadeiramente presentes não orna com produzir o tempo todo, com esse desespero em tentar criar uma rotina rígida que tenta forjar uma normalidade que não existe. Pelo contrário, às vezes estar junto exige tempo, exige “parar”.
“O resto é silêncio”
Se você está trabalhando, é bom estipular de fato um horário para começar e outro para terminar, para que o resto do tempo possa ser usado como você quiser. Para seu prazer, para você. Não há nada errado com quem evita o ócio completo e gosta de passar o tempo livre estudando ou se dedicando a um hobby. Isso faz é muito bem! Mas deve haver equilíbrio, no sentido de que certos limites devem ser respeitados. Não precisamos de quase nada nesse momento, além do amor da família e do aconchego do nosso lar. Só o fato de estarmos bem e daqueles que amamos estarem bem, é o suficiente para nos preencher agora.
Faça o que te der prazer e não caia na pilha de produzir sem parar. Se você gosta de sentar no sofá e assistir séries, faça isso. Se quer passar horas lendo, faça isso. Mas não deixe que outros ditem o ritmo que você deve seguir, e nem sinta culpa por pensar que não está produzindo tanto quanto outros parecem estar. Um pouco de tédio nunca fez mal a ninguém…
Seja feliz. O resto, é silêncio.
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