A raiva sagrada: transformando o mundo
A raiva é um sentimento muito ruim de sentir e que tende a ser negado pela sociedade. Estamos proibidos de sentir raiva, ou ao menos de demonstrá-la; devemos escondê-la.
Raiva virou sinônimo de desequilíbrio, de fraco caráter, de falta de fé em Deus que termina na não aceitação dos fatos e na revolta. Não somos ensinados a lidar com a raiva, não só a nossa, mas especialmente a do outro. A primeira coisa que fazemos é julgar.
Mas somos humanos! E portanto, de tempos em tempos, sentimos raiva. E será que negá-la é a melhor forma de lidar com ela, especialmente se buscamos o nosso próprio crescimento?
Quem já não sentiu raiva? Num segundo ela vem como uma avalanche, nos toma e tira a nossa razão. Contorce a barriga, escurece a visão, seca a boca, acelera o coração, esquenta o sangue, treme as mãos, nos faz transpirar. Essa é a raiva explosiva, que aparece sem avisar e que nos coloca em um estado mental que é muito difícil esconder, então extravasamos em forma de sintomas físicos. E que bom. Mas tem aquela raiva já processada, mais próxima da mágoa, do ressentimento, que não nos causa explosão; mas nos acompanha durante anos e pode nos corroer.
“Guardar raiva é como segurar um carvão em brasa com a intenção de atirá-lo em alguém; é você que se queima”
Seja qual for a raiva, ela é sua amiga e é muito importante, pode apostar. A raiva pode ser sagrada.
A raiva é uma energia amiga
Ela nos auxilia em nossa jornada evolutiva, na transformação das nossas fraquezas, do nosso “eu”, em algo melhor. Quando não gostamos de algo em nós, é da raiva que se inicia o movimento de mudança. Quando nos indignamos com o mundo, ela nos traz a força que precisamos para lutar contra o que quer que seja. Quando alguém nos reduz, nos diz incapaz sobre algo ou desdenha do nosso sonho, é a raiva que sentimos que nos faz querer provar ao mundo que somos capazes e continuar caminhando, apesar das dificuldades. A raiva é nossa força de luta e transformação.
“Qualquer pessoa capaz de te irritar se torna teu mestre; ela consegue te irritar somente quando você se permite ser perturbado por ela”
Até mesmo nas relações, olhando por um ângulo mais superficial, quem nunca saiu de uma relação amorosa com raiva e usou essa raiva para se redescobrir? Para dar um novo sentido à vida e acabou numa metamorfose maravilhosa? Viu? Aí está a raiva sagrada.
Talvez a questão mais importante é perceber que não se trata do que sentimos, mas como agimos, quais atitudes tomamos a partir das emoções. Direcionar a energia gerada pela emoção para um uso positivo pode ser muito libertador e é a chave que transforma a raiva de inimiga a amiga.
Sem a raiva, o sofrimento não teriam fim!
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A raiva sagrada – o bezerro de ouro
Esse conceito é antigo e não se sabe ao certo a origem, mas tem sido muito utilizado no meio esotérico e espiritual, especialmente quando pensamos em expansão da consciência e evolução moral espiritual. Encarar a raiva como uma benção divina que Deus nos enviou para lutarmos a nosso favor e em favor de outros é libertador e traz uma paz enorme. Claro, não se trata de justificar o mal cometido através da raiva, mas sim perceber que a raiva é um mecanismo de atenção, de onde devemos tirar crescimento. Quando ficamos com muita raiva de alguma situação ou de alguém, significa que algo dentro de nós se machuca. Algo que provavelmente é uma fraqueza e que precisa ser olhado, acolhido e trabalhado. Identificar qual parte de nós (a criança? adolescente? filha? irmã? amiga?) que sofre é essencial. É um processo muito parecido com o que encontramos na fantástica terapia de constelação familiar, onde normalmente quem sofre na vida adulta é a nossa criança interior, mas não só ela.
Quando falamos em raiva sagrada, entramos numa esfera diferente da questão do crescimento através do controle das emoções. Falamos de algo específico:a raiva sagrada diz respeito a indignação e revolta que sentimos frente às injustiças sociais, sobre o que está errado no mundo. imagine algo parecido com o que aconteceu com Moisés ao descer do monte Sinai e encontrou as pessoas adorando o bezerro de ouro, o que acabou por ocasionar muitas mortes.
Uma pessoa indignada com injustiças e iniquidades é aquela que tipicamente fica com a raiva sagrada, assim como Moisés ficou nessa passagem bíblica. Mas não foi por ego, por egoísmo ou vingança! Foi em nome da justiça, em nome de Deus, contra a ignorância perversa do povo.
O espanto da raiva sagrada – transformações sociais
O espanto diante das mazelas e injustiças da vida está muito ligado a raiva sagrada. Ele nos desperta para a busca do conhecimento, reflexão, compreensão e transformação do mundo. A o espanto, a raiva -sagrada- e a reflexão são nosso instinto de sobrevivência, onde reside a esperança.
“Aquele que já não consegue sentir espanto nem surpresa está, por assim dizer, morto; os seus olhos estão apagados”
A admiração, como nos ensinaram os filósofos Platão e Aristóteles, está intimamente ligada ao conhecimento; o sentido grego da palavra admiração é, justamente, espanto. Quando estamos diante de uma situação inesperada, temos uma atitude de admiração e esta atitude é ponto de partida para a reflexão, pois nos leva à indagação. A vida em sociedade, por exemplo, faz com que sejamos impactados por diversos acontecimentos que desafiam nossa humanidade: fome, guerra, pobreza extrema, criminalidade, preconceito, discriminação, abusos de todas as naturezas. Se perdermos a capacidade de nos questionar e ao mundo “mas como isso é possível?”, não somos sequer capazes de sentir, quanto mais deixar que esses sentimentos se transformem na raiva sagrada.
Se espante. Admire-se. Questione. Se assombre. Deixe fluir a raiva e a raiva sagrada, para que o mundo -ao menos aquele a sua volta- se torne melhor.
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