Porque nos sentimos tão desorientados nos tempos atuais
A ciência explica o porquê de você muitas vezes não estar conseguindo se lembrar nem do que aconteceu ontem, nesses tempos em que estamos vivendo. Como o tempo pode ser tão desorientador e entorpecedor nos dias de hoje?
Se os milhares de tweets que se referem ao filme O Feitiço do Tempo, com o Bill Murray e a Andy MacDowell, são qualquer indicação, as pessoas que estão sob as ordens de ficar em casa em lockdown estão sentindo o peso intenso da monotonia fazendo pressão em seus ombros e no humor. A variedade pode ser o tempero da vida, mas é também o que mantém a nossa memória ativa. Sem novas experiências para demarcar um dia ou semana a partir de outro, a forma do tempo pode se desdobrar e se prolongar de forma desorientadora.
“Quando olhamos para aqueles dias e semanas em que pouco aconteceu – onde tudo é o mesmo todos os dias – poucas coisas ficam armazenadas na memória e temos a impressão de como se o tempo tivesse passado muito rápido”, diz Marc Wittmann, pesquisador do Instituto de Áreas Fronteiriças em Psicologia e Saúde Mental em Friburgo, Alemanha.
Wittmann tem escrito extensivamente sobre o “tempo sentido”. Ele diz que enquanto a monotonia pode comprimir a percepção do tempo pelo cérebro por longos períodos, o tédio pode retardar a percepção da passagem do tempo “no aqui e agora” – o que significa que minutos ou horas parecem se arrastar sem parar.
Junto com o tédio, a ansiedade também pode fazer o tempo parecer lento ao ritmo de uma lesma, diz ele. Enquanto o acúmulo de ameaças de doenças, dificuldades econômicas e instabilidade social relacionadas ao Covid-19 são suficientes para fazer qualquer um se sentir inquieto, especialistas que estudam o isolamento social dizem que muito pouca interação presencial pode por si só ser um potente fator causador de ansiedade.
Sem novas experiências para demarcar um dia ou semana a partir de outro, a forma do tempo pode se dobrar e se esticar de forma desorientadora.
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Paranóia, falta de rotina e desorientação
“Os seres humanos por sua natureza são animais sociais, e quando você os priva da interação social, isso tem uma enorme repercussão”, diz o Dr. Terry Kupers, psiquiatra do Instituto Wright, em Berkeley, Califórnia.
Muito do trabalho de Kupers tem examinado os efeitos psicológicos do confinamento em Solitária nas prisões americanas. “A situação de um prisioneiro em solitária é qualitativamente diferente e muito mais terrível do que a de um cidadão com prisão domiciliar”, diz ele. “Mas acho que as pessoas que estão em prisão domiciliar podem experimentar alguns dos mesmos sintomas psicológicos que as pessoas em solitária”. Isso pode ser especialmente verdade para aquelas pessoas que vivem sozinhas e não são capazes de interagir presencialmente com amigos e entes queridos.
“Um dos primeiros sintomas a surgir é a ansiedade”, diz Kupers. “As pessoas que estão isoladas têm ataques de pânico e se sentem muito ansiosas”. A paranóia é outra emoção comum.
“Quando você não tem outras pessoas com quem conversar, os pensamentos e ideias podem ficar muito confusos”. Ele diz que os seres humanos parecem estar um pouco ligados ao pensamento paranóico, e que passar tempo na companhia de outros tende a moderar essa emoção. Quando esse tipo de interação é negado ou limitado, os pensamentos podem vagar por lugares irracionais.
Ligações através de aplicativos de Vídeo chamadas e conversas pelo FaceTime – assim como chamadas telefônicas regulares, trocas de texto e outras interações digitais – certamente são melhores do que nada, diz Kupers. “Quando essa é a única maneira de se conectar, eu acho que é importante fazer isso”, ele acrescenta. “Mas eu acho que [estas] não são nem de perto a mesma coisa que o contato que teríamos se estivéssemos juntos em uma sala”.
Finalmente, ele diz que além de faltar interações sociais, a falta de uma rotina regular pode causar problemas. “Uma desorientação vem de não ter marcadores associados a uma agenda diária”, diz ele. Para evitar essa desorientação, é importante se levantar no mesmo horário todos os dias e seguir um horário regular de trabalho, tarefas, exercícios e outras atividades.
“Criar um horário que se aproxime da vida normal pode ajudar a não cair na desorientação e na confusão”, diz ele. Ir para a cama e se levantar no mesmo horário todos os dias também pode ajudar a calibrar os relógios internos do corpo de forma a promover o sono profundo e evitar a desorientação durante o dia e outros sintomas cognitivos.
O cérebro ansioso anseia por “atividades de fluxo”
Enquanto a distração é normalmente vista como uma coisa ruim, ela pode ser útil em certas situações – como quando uma pessoa está ansiosa e tentando evitar pensamentos desconstrutivos.
“Há coisas que o cérebro ansioso quer fazer, e não são necessariamente coisas úteis”, diz Kate Sweeny, uma professora de psicologia da Universidade da Califórnia, em Riverside. Preocupação é uma delas, diz ela. Se preocupar sobre o Covid-19 ou os desafios que ele apresenta é útil se uma pessoa pode tomar medidas para lidar com essas preocupações. “Mas se você fez o que pode, seu objetivo deve ser o de se envolver ativamente em atividades que distraiam seu cérebro daqueles pensamentos ansiosos”, diz ela.
Algumas de suas pesquisas examinaram como diferentes formas de distração podem ajudar as pessoas a superar períodos de incerteza e ansiedade – como quando alguém está aguardando os resultados de uma biópsia. Ela diz que as atividades mais úteis são aquelas que induzem ao “fluxo”, ou à experiência de completo prazer ou absorção.
Um filme ou um programa de TV interessantes e instigantes poderiam se encaixar bem nessa situação, o que ajuda a explicar porque muitas pessoas estão fazendo maratonas de séries e filmes. Mas Sweeny diz que a busca por atividades mais fluidas tende a incluir elementos de desafio pessoal e feedback.
Assar pão – outra atividade que parece ter pegado a fantasia das pessoas enclausuradas – também entra na categoria de atividade fluida. O mesmo acontece com os videogames. Um dos estudos de Sweeny, publicado no ano passado na revista Emotion, descobriu que Tetris foi amplamente eficaz na indução do fluxo, e o mesmo certamente se aplica aos videogames mais recentes e avançados.
(O poder indutor de fluxo e de atenção dos videogames é tão bem estabelecido que a “gamificação” é agora uma abordagem popular do design UX em aplicativos e plataformas online – desde programas de aprendizado de idiomas até sites de mídia social).
“Não estou dizendo que todos devem jogar videogames para gerenciar as suas preocupações”, diz ela. “Mas se você está se sentindo sobrecarregado de preocupação, é de certa forma útil lutar contra esse sentimento, e atividades de fluxo podem fazer isso”.
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