Sua vida serve as trevas ou a luz?
Essa é uma pergunta complicada, pois, além da subjetividade implícita no questionamento, temos diversas doutrinas que tendem a classificar como trevas as outras narrativas. Para um evangélico, serve às trevas quem não aceita Jesus; católicos são idólatras, hindus, budistas e muçulmanos hereges e espíritas conversam com demônios. E vão todos para o inferno, pois, desobedecem ao único e verdadeiro deus.
“Todas as religiões devem ser toleradas pois cada um de nós tem o direito de ir para o céu à sua maneira”
Já para um muçulmano, quem não adora a Alá vive em pecado e também será castigado pelo senhor. A guerra de narrativas religiosas só nos confunde quando a pergunta é o quão certo é o caminho que escolhemos. Mas claro, como a regra não é feita de exceções, existem muitas pessoas sensatas que, apesar de professarem determinada fé, entendem que todos os caminhos levam a Deus. Mais que isso, entendem que aquilo que carregamos no coração, nosso comportamento e nossas ações, são as únicas medidas possíveis que nos aproximam ou afastam de Deus.
Nesse sentido, vamos pensar sobre a forma que encaminhamos nossa vida e se os valores que cultivamos servem a César ou a Deus.
“Dai a César o que é de César”
Quase todos conhecem essa frase bíblica tão simples, que diz tanto com imensa sabedoria. Mas penso que nem todas as pessoas percebem o grande ensinamento que está por trás dela e, por isso, não conseguem fazer a ponte entre essa lição e a maneira como vivemos a vida nas coisas mais simples.
“Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”
Para que essa frase faça mais sentido, basta perceber que, na fala de Jesus, César significava todos os sistemas de poder da época. Hoje não pagamos mais os tributos a César, mas para o governo. Pagamos as contas para podermos nos alimentar, locomover, morar, nos vestir. Tudo custa e o conforto é caro. E como vivemos em uma sociedade capitalista, nosso sustento depende do dinheiro que dispomos para prover nossa sobrevivência. E é aí que está o pulo do gato, a sedução da Matrix: buscamos felicidade, mas a sociedade nos convence que a felicidade está nos bens materiais e na carreira profissional, pois, sem essa noção, o sistema do capital quebra. É preciso que todos comprem tudo o tempo todo e que concordem em participar da produção desse “tudo”. Temos então um sistema que se retroalimenta, pois, quanto mais você trabalha, mais você quer “coisas”, mesmo que essas “coisas” não sejam objetos propriamente ditos, podendo ser posições de destaque e poder. E quanto mais “coisas” você quer, mais tem que trabalhar para conquistá-las.
Somos convencidos que precisamos produzir cada vez mais, para poder “comprar” a nossa felicidade. Uma apartamento com varanda gourmet, carro bacana, celular de última geração, uma casa na praia e viagens para o exterior. Grosso modo, é o que todos acreditam como felicidade e reconhecimento social de sucesso. São esses os valores sociais, agora tão claros quando observamos o trabalho dos influencers digitais: eles vivem de mostrar o que têm, o carro novo, tour pela casa, look do dia, os restaurantes que frequentam e as viagens que fazem. Ou seja, tudo aquilo que consomem, quando consomem e porque consomem. Vivem de parcerias, publicidade e likes, que variam de acordo com o estilo de vida que oferecem e o engajamento que levantam. Vendem uma imagem construída através de produtos e marcas e ganham milhões de seguidores e dinheiro. Somos bombardeados por propagandas o tempo todo: Compre isso, compre aquilo, vá para tal lugar, esteja em tal evento, use esse sapato, tenha essa bolsa, faça esse curso, trate do cabelo com esse produto.
Ficamos adormecidos e hipnotizados, reforçando cada vez mais os valores desse sistema. E é justamente o consumo exacerbado que está destruindo o planeta. Quanto mais consumo, mais indústria, mais poluição, mais desmatamento, mais mudança climática, menos água e menos recursos. Morte é o que sustenta a cadeia do consumo que nos organiza e orienta enquanto sociedade. E mesmo sabendo disso, continuamos desejando mais e mais, cada vez mais dispostos a lutar pelo direito de pagar caríssimo em uma bota. E quanto mais caro for esse produto, quanto mais azul for a água do mar em sua viagem, quanto mais veloz o carro, mais eles comunicam o sucesso da pessoa.
Será que esse sistema serve a Deus? Ou serve a César?
Nosso estilo de vida conta muito
De certas obrigações não podemos nos livrar. Logo, temos de dar a César o que é de César. Mas temos opção, podemos escolher quais valores cultivamos, o que consideramos felicidade e sucesso e a forma como vamos viver a vida. A primeira distinção entre o que é mundano e o que é divino, ou seja, entre o que significa servir a César ou a Deus são os valores que cultivamos. Quem se sente extremamente identificado com essa sociedade, quem dedica a vida ao trabalho e ao acúmulo de bens, certamente está distante do divino. Não há tempo nessa visão de mundo, para o autoconhecimento e para o espírito. As questões da alma são negligenciadas, dando lugar à busca incessante pelo conforto, status e destaque profissional. Queremos o reconhecimento social que vem através de promoção na carreira e a satisfação dos desejos materiais.
Nossas aptidões e nossa personalidade vão guiar nossas escolhas, claro, mas a verdade é que sem a necessidade real de desempenhar um papel profissional, a maior parte das pessoas talvez não escolhesse trabalhar com o que lhe sustenta. Isso não significa que, sendo realmente ricas, as pessoas ficariam em casa sem fazer nada, mas certamente a grande maioria teria a oportunidade de escolher entre atividades que fazem sentido para elas, e, muitas vezes, para o mundo. Aprender um determinado instrumento, estudar algo específico, trabalhos que envolvam ajudar quem está doente, abandonado ou com fome podem se tornar uma prioridade.
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”
Pense na diferença vibracional entre um profissional da bolsa de valores, vivendo uma vida pressionada e orientada sistema financeiro, e uma outra pessoa que vive cercada pela natureza e trabalha com a terra. Certamente a vibração que essas pessoas constroem é diferente, podendo favorecer valores mais elevados ou não. Nossa vibração está conectada aos nossos pensamentos, que são construídos pela junção entre as emoções que cultivamos e os valores que perseguimos. Quando valorizamos o que é material, quando passamos a maior parte do tempo imersos e dedicados à essas atividades, nossa vibração tende a se afinizar com essas energias, entrando em sintonia com elas. Quanto mais desejamos acumular ao invés de conhecer, comprar e possuir em detrimento do ser, mais distantes dos valores divinos nós nos colocamos.
Existe saída?
Enquanto o sistema que nos governar for orientado pelo capital, suprimindo valores humanos e ignorando a ética para louvar o lucro, vamos continuar na rota de destruição da espécie. O planeta sofre, mas continua. Nós é que vamos desaparecer quando nosso estilo de vida tiver agredido o ecossistema a ponto da Terra não ser mais compatível com a vida humana. E não há no horizonte nenhum indício de mudança ou sequer um novo sistema que possa ser melhor que o atual. O problema é que esse sistema atual, apesar de ser totalmente passível de melhora, pelo fato de visar o lucro ele depende da ignorância para se manter, para preservar o topo da pirâmide para onde vai o dinheiro e de onde vem as decisões.
No meio disso tudo precisamos pagar o aluguel, a prestação do apartamento, a conta de luz. Não existe como fugir do sistema e das obrigações, especialmente as financeiras, que ele impõe. Mas podemos fazer outras tantas escolhas, que vão dar a Deus o que é de Deus. A Terra não foi feita para a perfeição, para a felicidade plena como pensam alguns, mas para o aprendizado. Quem encarna aqui, está em busca das dificuldades e tudo o que implica encarnar na terceira dimensão como um humano. Não é para ser fácil. E parte da dificuldade está em conseguir de desenvolver e caminhar na luz, enquanto o próprio sistema serve às trevas, sempre serviu e talvez sempre irá servir.
A saída é enxergar que viemos para vencer a nós mesmos. Não para ter sucesso, dinheiro ou beleza, pois cada uma dessas medidas vai se apresentar da forma exata e necessária conforme o objetivo de cada encarnação. Seja qual for sua condição no mundo, as experiências de crescimento vão sempre fazer parte do caminhar e é a maneira como nos comportamos frente às dificuldades que nos torna vencedores ou perdedores. É a ética, a quantidade de vezes que fazemos “a coisa certa”, como tratamos não só quem amamos mas também desconhecidos, o quanto de caridade, empatia e amor carregamos para os espaços que pertencemos. Não importa se você é evangélico ou muçulmano, quando você agride sua mulher ou filhos, você está agredindo Deus. Quando paga uma propina, quando puxa o tapete do colega de trabalho, está trapaceando as leis divinas, Quando um filho abandona seus pais idosos, quando negligência a família, está abdicando do amor de Deus. Deus não se incomoda com a crença, a posição que seus filhos conquistaram na carreira ou quanto de dinheiro eles têm no banco. Sempre que não controlamos nossas emoções, que ferimos alguém, quando somos agressivos, preconceituosos, ouvimos o ego e agimos em benefício próprio, pouco importa aos olhos de Deus se aceitamos Jesus ou se acreditamos em reencarnação. Sempre que que César ganha, nós vibramos na energia contrária do amor e sabedoria divina.
“Quem vive nas trevas não consegue ser visto, nem vê nada”
Autoconhecimento para crescer é nossa única saída. Perdão, amor, gratidão, empatia e desapego são o começo do despertar que nos coloca individualmente no caminho da luz, ao mesmo tempo em que, conforme evolui nosso caminhar, nos transformamos em mais uma força que se junta a corrente do despertar de todas as consciências. E quanto mais nos voltamos para o espiritual, menos os valores materiais fazem sentido e cada vez menos queremos “dar” a César.
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