Sufismo: a religião mística do Islã
Engana-se quem pensa que o islamismo é uma religião atrasada e distante do mundo espiritual. As interpretações que foram feitas pelos homens é que encaminhou esse conhecimento para a realidade que vemos hoje. Mas o Islã é mais, muito mais do que as manchetes e o terror nos sugere. E, para apresentar uma visão mais verdadeira sobre a teoria por trás dessa doutrina, podemos começar falando do sufismo, a parte secreta, esotérica e mística da tradição muçulmana.
“Todos os caminhos levam a Deus”
Ficou curiosa? Leia o artigo até o final e surpreenda com a complexidade da doutrina islâmica e a influência do sufismo na história do Brasil!
O sufismo
O sufismo é a dimensão mística e esotérica da tradição muçulmana, baseada no Corão e nas tradições e práticas do profeta Maomé. Podemos dizer que o sufismo é a dimensão contemplativa do Islã, a vertente mais espiritualizada da doutrina islâmica.
A mística islâmica sufi tem sua origem com a revelação de Maomé e os primeiros califas do Islã, sobretudo Abu Bakr e Ali, provavelmente em torno do século 7, entre alguns dos primeiros seguidores de Maomé. Por isso, a maioria das confrarias sufis têm estes dois califas e místicos como mestres e modelos. O nome sufismo também remete à túnica de lã usada pelos primeiros mestres sufis. O sufismo se organiza em torno de uma via (ou caminho) espiritual do Islã, um caminho trilhado através do cultivo das virtudes. Para este caminho, os sufis dão o nome de dhirk, isto é, a prece invocatória que veicula a “lembrança de Deus”. Um dos métodos mais praticados para se atingir a dhirk é a recitação do rosário sufi, chamado de wird. Por ser organizar desta maneira, o sufismo possui uma característica iniciática, pois mantém um círculo fechado de orientação entre mestre e discípulo. Este último depende, portanto, da iniciação do primeiro na prática sufi. Essa característica diferencia radicalmente misticismo islâmico do cristão, por exemplo, que não possui nada de iniciático ou esotérico.
“A tarefa não é buscar o amor, mas apenas procurar e desfazer todas as barreiras dentro de si mesmo que você construiu contra ele.”
Os sufis foram por séculos monges, santos, andarilhos, hereges, aventureiros e mendigos. Hoje, muitas vezes os sufis se chocam com a sharia (lei religiosa islâmica) em sua busca pelo contato de primeiro grau com Deus. “Entre muitos intelectuais árabes, o sufismo é uma espécie de resistência à cultura oficial, à ortodoxia e à repressão do poder instituído”, diz Mamede Mustafá Jarouche, professor da USP e tradutor das Mil e Uma Noites para o português. Os sufis praticavam o que em árabe se chama de batinismo – a crença interiorizada, a fé que está no âmago e que se comunica diretamente com o criador. Por isso, a ortodoxia islâmica muitas vezes considerou os sufis hereges.
A prática do sufismo conduziu vários místicos islâmicos à criação de obras relativas ao conhecimento religioso e o mundo interior, com ensinamentos muito próximos aos que encontramos nas doutrinas esotéricas mais modernas.
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Sufismo condenado
Infelizmente, as virtudes islâmicas foram sequestradas por algumas vertentes mais radicais do mundo muçulmano, o que levou a uma certa perseguição às próprias origens da crença. O Paquistão, por exemplo, é um dos países mais conservadores do mundo onde bebidas alcoólicas são proibidas e existem inúmeros protocolos sociais que são permeados pela religião. Por isso, a maioria das mulheres só sai na rua coberta por véus e nunca devem estar desacompanhadas. O governo censura filmes e novelas, considerando perigoso o que para nós parece inofensivo. Mas, contraditório ou não, é também um país em que o haxixe está ligado ao misticismo e rituais. Em um dos mais importantes santuários do país, o odor que exala das festas religiosas não é o de velas ou incenso, mas sim do haxixe. Nas noites de quinta-feira, o santuário, em Karachi, fica cheio de homens de solidéu e mulheres cobertas pelo véu islâmico que espalham guirlandas de flores sobre as lajes azuis do túmulo, entoando hinos ao som de tambores – enquanto os fiéis passam entre si cachimbos cheios de haxixe.
Em outras partes da Ásia Central, as festividades sufis envolvem não só o consumo de haxixe, como também danças vertiginosas em que homens, mulheres e não muçulmanos se misturam em “carnavais religiosos”,quebrando a separação de gênero típica dessa cultura. A tolerância e o gosto pela perda coletiva de sentidos é um traço do sufismo desde seu surgimento, na Idade Média.
Ensinamentos sufis e o que herdamos deles
Ao longo de sua história, os sufis pregaram não só a união entre o humano e o divino, mas também a convivência pacífica entre diferentes crenças. Pois é. A origem islâmica tem base na crença de que todas as religiões devem ser respeitadas, pensamento contrário à minoria terrorista do mundo islâmico que entende que cortar a cabeça dos infiéis é um desejo divino. Infelizmente, é essa minoria que é atomizada pela mídia e passa a mensagem completamente errada de que um muçulmano é potencialmente um terrorista, um inimigo. E há razões políticas que orientam esse comportamento dos grandes conglomerados midiáticos, que não vale a pena mencionar agora.
Uma outra crença sufi que sobrevive até hoje é a jornada individual como forma de aproximação com o criador. O que chamamos de despertar da consciência e reforma íntima, era para o sufi a razão de sua existência. Se os grandes líderes buscavam a criação de uma comunidade islâmica unificada – a umma -, os sufis preferiam a busca individual pela santidade. A marca dos primitivos dervixes era a opção por uma vida de simplicidade e meditação. Muitos vestiam-se apenas com túnicas de lã bruta – sinal de renúncia ao luxo e ao conforto. Desde o início, os sufis representaram um lado alternativo do Islã. Em vez da preocupação exclusiva com as leis religiosas, o essencial era o êxtase místico.
“Quem conhece a si mesmo conhecerá Deus”
Para os sufis, só Deus é real – o mundo que nos cerca é sonho e ilusão. Para se aproximarem da realidade verdadeira, muitos dervixes se retiravam para os desertos, vivendo como eremitas ou em pequenas comunidades. Atribuíam-se a eles milagres e proezas físicas. Alguns viviam como vagabundos e mendigos. Nesse e noutros aspectos, eram muito parecidos com os primeiros monges cristãos e com os faquires hindus.
Outra semelhança entre o misticismo sufi e o mundo ocidental cristão é o culto de santos. A rigor, não existe canonização oficial no mundo islâmico, ou seja, não é parte da cultura adorar pessoas que, devido aos feitos em vida, são considerados santos após a morte. O que aconteceu foi que a aclamação popular, ao longo dos séculos, santificou muitos místicos sufis, cujos túmulos até hoje são visitados por milhares de pessoas.
Há também uma prática sufi que você com certeza partilha e realiza quase todos os dias de sua vida. Duvida? Pois bem. Se você gosta de tomar café, saiba que ele é uma herança da tradição sufi. De acordo com alguns relatos, o espresso que bebemos todo dia surgiu em meados do século XV, nos mosteiros de Sufi do Iêmen. De acordo com relatos, peregrinos teriam encontrado a planta em suas andanças pela Etiópia e Sudão e o hábito de consumir os grãos de café se espalhou pelos mosteiros sufis do Iêmen e do Egito. No início, os grãos de café eram mastigados. Depois, fervidos com água, até que os sufis persas acrescentaram o último toque: os grãos passaram a ser torrados antes da infusão. Com o tempo, o café passou a ser consumida em todos os países islâmicos foi levado à França por um embaixador do império otomano. Logo, o café passou a ser bebido por europeus ricos e, para satisfazer a sede europeia, o café passou a ser plantado nas Américas. Pronto, eis a prova de que o misticismo islâmico influenciou a história do Brasil!
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