Trevas não são a presença de algo: trevas são a ausência da luz
Nem sempre na realidade do mundo as coisas são exatamente o que parecem. Somos induzidos a seguir o pensamento binário, ou seja, acreditar que os elementos tenham duas faces presumivelmente opostas, ou partes hipoteticamente distintas. Por exemplo o bem e o mal: ou algo é bom, ou é ruim, sem espaço para meio-termo. Mas isso não nos ajuda a compreender o mundo, pois ele é tudo, menos binário. E é nas zonas cinzentas que vivem as verdades.
Essa dicotomia entre o bem e o mal empobrece nossa visão de mundo, especialmente quando queremos expandir nossa compreensão espiritual sobre Deus. É paradoxal olharmos para um mundo dividido, ao mesmo tempo que tendemos a pensar que o criador é onipotente, onisciente, onipresente. Que não erra nunca, que tudo pode, totalmente perfeito. Se somos sua imagem e semelhança, como pode haver tanto mal no mundo? Não seria isso injusto? Algo não se encaixa.
“Os homens são criadores do seu próprio inferno”
Para a religião é ótimo que se faça essa divisão, pois ela cresce no medo. Sem alimentar o temor pelo inferno, sem culpar o diabo pelas mazelas humanas, ela não consegue criar a imagem de Deus que dá poder a elas e também dinheiro. A religião precisa iludir para ganhar e o diabo é a figura perfeita para impor o terror e manter as pessoas “na linha”. Mas mesmo dentro do discurso religioso das matrizes católicas, será que faz mesmo sentido essa imagem criada em torno da figura do diabo como a essência de todo mal?
Ver além do inferno
Vejamos. Primeiramente, é preciso dizer que a ideia de inferno e do diabo é totalmente católica e não é partilhada pelas religiões fora do espectro cristão. Isso não quer dizer que elas não tenham “um lugar mau”, mas especificamente um inferno governado por Lúcifer é uma ideia essencialmente cristã. Então, já fica mais fácil colocar em cheque essa imposição religiosa de que o mal do mundo provém do diabo, um anjo caído que briga com Deus pela humanidade e que quer nos destruir, arrebanhar almas para torturar pela eternidade. Só o conceito de tortura eterna já não cabe em Deus. Especialmente dentro da retórica cristã, onde só se vive uma vez!
Deus não poderia ser essa entidade vingativa, que dá apenas uma chance de acerto e que, quando você falha cometendo pecados, não mostra misericórdia nem perdão e condena à danação eterna. Faz mais sentido a ideia de aprendizado, de múltiplas chances e crescimento pelo amor incondicional divino através dos próprios erros, do que uma única vida que pode te condenar para sempre.
Mas a ideia aqui não é fazer esse questionamento. O que pretendo neste artigo é propor uma outra forma de análise para a ideia de inferno e a figura de Lúcifer, não como a essência pura do mal, mas como um justiceiro. Como parte do quebra-cabeças divino onde até as trevas fazem parte da luz e trabalham para ela, em função dela, numa inteligência tão sublime e requintada que não se encaixa na luta simplória luta do bem contra o mal.
Pois bem, vamos lá. Olhando para o mundo e para a rudeza humana, podemos dizer que não precisamos de muita ajuda para sermos maus. As trevas do mundo material e o sistema que alimentamos já se encarregam de nos fazer capazes das maiores maldades, especialmente quando agimos em benefício próprio, em busca de dinheiro, poder ou sexo. Alguns podem pensar “mas aí está o diabo, nos tentando”, mas a maldade humana está nas coisas grandes e também nas coisas mais banais! Pensando que estamos aqui para aprender, a ideia de inferno e punição não seria parte do mecanismo de justiça? Digo justiça alinhada a ideia de aprendizado, crescimento, nunca de punição eterna.
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Justiça se faz no inferno
Se aprendemos com nossos erros, é certo dizer que as sombras nos ensinam. Cada vez que nos deparamos com o mal, temos a oportunidade de nos juntar a ele ou de nos opor, o que nos ajuda a construir a ideia de nós mesmos. Isso se sustenta pelo livre-arbítrio, com a capacidade de escolha que nos é dada ao nascermos. Não acho que exista um inferno, as tais chamas eternas que ardem e condenam quem não teme a Deus. Embora acredite sim que existam demônios, seres totalmente trevosos que escolhem alimentar o pior que há neles e no mundo. Mas ainda assim, eles não estão servindo a luz de forma indireta? Sem as trevas, como pode haver a luz?
“Deus é luz e não há nele trevas nenhuma”
Seguindo essa lógica, se existe um governador infernal, ele também é parte da luz. Se é ele quem “pune” as almas pecadoras, não faz nada de errado, pois não? Não faria mais sentido dizer que ele faz justiça, já que carrega para junto dele aqueles que merecem? Novamente, não acredito que exista um inferno de forma literal como colocado na bíblia e pela religião. Estou mais próxima da ideia de umbral, de esferas de evolução mais ou menos desenvolvidas, para onde somos atraídos após a morte de acordo com nossa vibração. Mas somos nós mesmos que nos colocamos nestes lugares, não uma imposição divina, um castigo, muito menos eterno. Mas, se caso existisse o diabo, mal ele faria se levasse com ele inocentes. Se fizesse arder nas chamas quem é bom e seguiu os preceitos divinos em vida. Por isso tenciono pensar que mesmo nas trevas, há luz. A escuridão não é o contrário de luz, é somente a ausência dela. É o que existe quando a luz não está brilhando, mas basta acender a luz que tudo se ilumina. Os dois estados coexistem.
A Luz e as trevas
Trevas não são a presença de algo; trevas é a ausência da luz. Portanto, não existem, só a luz existe. O ódio não é real, é apenas a ausência do amor. A cólera não é real, é apenas a ausência da compaixão.
“As trevas dos tempos
não podem amortalhar o sol fulgente;
os longos kalpas do samsara
jamais podem esconder a luz brilhante da Mente”
Escuridão é uma definição que o homem desenvolveu para descrever o que acontece quando não há luz presente. Tudo é Deus, nós é que nos sentimos confortáveis em culpar uma entidade por nossos próprios erros. Também é uma emanação humana a ideia de danação eterna e luta entre bem e mal, como se Deus precisasse lutar por algo. Ele simplesmente é. E tudo que existe é por vontade dele. Nossa interpretação de bem e mal, céu e inferno, trevas e luz é que está equivocada e não nos deixa enxergar que mesmo a escuridão é divina e que essa analogia, essa parábola de diabo e inferno não é uma realidade literal.
Existem espíritos que estão na ignorância e que decidem perpetuar as trevas e tudo o que é ruim. Energias negativas, ódio, vingança. Mas não servem a ninguém, além do ego deles mesmos. E continuam porque Deus assim permite, pois eles tem o seu papel. É incrível a perfeição divina e como tudo se conecta e funciona para a luz, para o amor, para a perfeição. Ele ainda nos dá a escolha, não força ninguém.
Nada incita mais a luz do que as próprias trevas. Aliás, o nome Lúcifer significa “estrela da manhã” ou “portador da luz”, dependendo da tradução que você escolher. Não é coincidência…
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