O Livro Tibetano dos Mortos: segredos da vida, da morte e da vida após a morte
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
A obra afirma não apenas que a consciência persista após a morte, mas também que é possível morrer de modo que seja atingida a clareza da consciência e a compreensão do real.
O conteúdo do livro tibetano dos mortos era um segredo, um conhecimento oculto do grande público que era acessível somente aos grandes mestres que transmitiam esses ensinamentos de forma oral para os discípulos. Por isso, não é possível dizer exatamente quando ele foi escrito, já que se trata de uma tradição secreta e oral.
Ele é considerado sagrado no Tibete, pois o conteúdo desse livro é um guia de iluminação espiritual em vida, além de conter orientações sobre a existência do espírito após a morte. A obra afirma não apenas que a consciência persista após a morte, mas também que é possível morrer de modo que seja atingida a clareza da consciência e a compreensão do real.
É realmente incrível que um conhecimento tão antigo esteja ainda tão atual! Vida após a morte, espírito, consciência, despertar, planos de existência e renascimento são temas deste livro. Qualquer pessoa que estude a espiritualidade na modernidade fica em choque com o conteúdo dessa obra, pois costumamos pensar na antiguidade como uma época medieval. Através dele, também é possível sair dessa ideia católica e eurocêntrica que fazemos do mundo, percebendo que culturas muito mais antigas do que as descritas na bíblia produziram um conhecimento espiritual riquíssimo, que sobreviveu ao tempo e ainda hoje permanece atualizado.
A história do Livro Tibetano dos Mortos
Sendo uma tradição oral, não é possível determinar em qual momento da história surgiu esse conhecimento. Apenas conseguimos ter uma base histórica a partir da compilação dessa tradição, que se dá no séc. VIII d.C. Mas é possível que o conhecimento tibetano sobre a morte tenha milênios de existência. Essa análise e compilação foi feita pela religião Bön, uma antiga religião do Tibete que precede o budismo. Esse conhecimento foi registrado na versão final com supervisão de Padmasambhava, o grande santo Guru Rinpoche, o primeiro grande lama, tido pela sociedade tibetana como a segunda encarnação de Sidarta Gautama, o Buda.
Na tradição tibetana, o livro é lido por um monge a um moribundo, geralmente em voz alta, e continua a ser recitado por 49 dias após seu falecimento. Os tibetanos acreditam que ainda após a morte o princípio de consciência permanece em contato com o local de falecimento, por isso, ainda pode assimilar as mensagens transmitidas pelo monge.
“Todo leitor sério forçosamente irá perguntar-se se estes antigos sábios lamas, afinal de contas, não poderiam ter vislumbrado mesmo outras dimensões, arrancando com isso o véu de um dos maiores mistérios da vida.”
Seu conteúdo é fundamental para os processos de iniciação das escolas budistas tibetanas. Pertencente à literatura Nyingma, é o texto tibetano mais célebre e difundido internacionalmente. A tradição do budismo tibetano considera-o como um dos maiores “tesouros da terra”.
O livro foi revelado ao ocidente pelo Dr. T. W. Evans-Wentz, pesquisador da Universidade de Oxford, que traduziu o conteúdo e lançou o livro em 1927. O título “Livro Tibetano dos Mortos” também foi dado por Evans-Wentz, já que o nome original da obra é Bardo Thodöl, onde bardo é “transição” e thodol é “libertação”. Carl Jung, um grande psicanalista e estudioso do mundo oculto, também teve contato com a obra e ficou fascinado com seu conteúdo. Em uma de suas edições, ele escreve um prefácio analisando o texto a partir de um ponto de vista psicológico, e se declara um leitor assíduo do livro, assumindo que extraiu dele algumas de suas ideias principais. Segundo Jung, o Livro Tibetano dos Mortos revela os profundos segredos da alma.
Os 6 estados de consciência (seis bardos)
O Livro Tibetano dos Mortos indica a existência de seis bardos ou estados de consciência. E, em cada um desses seis estados de consciência, a experiência do ser tem qualidades muito distintas, que proporcionam vivências também distintas. E, através da iluminação e da lucidez da consciência, seria possível distinguir com facilidade esses seis bardos.
“A consciência é a voz da alma”
Na tradição tântrica, por exemplo, existem algumas técnicas que ajudam o praticante de meditação a acessar esses estados diferentes para conduzir a consciência à percepção das qualidades fundamentais da mente e seus fenômenos.
No livro, existe uma separação entre os bardos da vida e os bardos da morte.
Os Bardos da Morte
O Chikhai Bardo ou “bardo do momento da morte”
É o estado da consciência onde ocorrem os fenômenos psíquicos no momento da morte. É nesse estado de consciência que surge a experiência com a Luz Clara e o vislumbre da essencialidade da consciência e percepção da verdade.
O Chönyid Bardo ou “bardo da experimentação da realidade”
O bardo da experimentação da realidade trata do estado de sonho que começa logo após a morte, ao qual pode ser compreendido como a fase do surgimento das “ilusões kármicas” decorrentes das ações, pensamentos e experiências em vida.
O Sidpa Bardo ou “bardo do renascimento”
Este nível da consciência se refere aos impulsos e desejos de renascimento, e aos estados psicológicos pré-natais.
Os Bardos da Vida
O Rang bzhin Bardo ou bardo da “vida”
O bardo da vida seria o estado de consciência comum, limitado, que a maior parte das pessoas apresenta em vida.
O Bsam gtan Bardo ou bardo do “dhyana”
Esse estado de consciência seria aquele atingido através da prática da meditação, quando o praticante atinge o êxtase meditativo. Por isso, é um estado considerado mais raro entre os três bardos da vida.
O Rmi-lam Bardo ou bardo do “sonho”
O bardo do sonho é exatamente o que diz o nome, o estado de sonho durante o sono normal.
“A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência”
O Livro Tibetano dos Mortos e a espiritualidade moderna
Imagine falar em vidas passadas e reencarnação em plena idade média.
Se o Tibete ficasse na Europa, certamente os autores do livro ou quem dele fizesse uso seria queimado nas fogueiras da inquisição. Talvez esse conhecimento nem chegasse até nós, pois, sendo considerado uma heresia, poderia ter sido destruído sem deixar nenhum rastro de sua existência.
“O importante não é somente a preparação para um renascimento futuro mais elevado, mas também, e num sentido ainda mais fundamental, a preparação pessoal do indivíduo para usar sua própria morte e os estados a ela subsequentes como meios para alcançar a emancipação da consciência”
Mas a verdade é que existem muitas semelhanças entre os ensinamentos do Livro Tibetano dos Mortos com os conhecimentos sobre vidas passadas e reencarnação. Abaixo separamos algumas delas:
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Continuidade da vida
No livro, fica claro que ninguém morre e que a vida após a morte do corpo é uma realidade. Essa ideia é abordada em todo o livro, e através dela concluímos que a essência humana é espiritual, cósmica, e não material. No livro a vida material é considerada uma ilusão, um conjunto de ficções que fazem com que o homem se volte para o que não é importante, deixando de lado sua essência espiritual. A matéria é explicada como sendo uma das dimensões onde o espírito pode se expressar, havendo além dela planos considerados superiores onde a verdadeira “vida” acontece.
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Dimensões de evolução
A ideia de que existe um “eu” que transita entre planos de evolução também está bem presente no livro. A matéria seria uma dessas dimensões, mas haveriam muitas outras que só vão sendo acessadas através da ascensão desse “eu”. Ou seja, temos já nos primeiros séculos após Cristo uma cultura que entendia a vida como uma jornada de evolução, em que um espírito que é imortal deveria evoluir para transitar entre as dimensões mais ou menos elevadas.
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A Luz Clara
A Luz Clara é assustadora. É como se pudéssemos dizer que os tibetanos praticassem projeções astrais ou tivessem registros de experiências de quase morte. A Luz Clara era uma luz no final de um túnel que o espírito acessava no momento da morte, e era através dela que o espírito adentrava as dimensões superiores.
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Separação do corpo e da mente
Essa cultura entendia a mente como uma entidade separada do corpo, que estava temporariamente unida a ele mas que poderia ser “descolada”. E, quando essa separação acontecia, havia um contato direto com a Luz Clara e uma sensação de transcendência, completude e pertencimento tomava conta da consciência. Isso porque no exato momento em que a mente se separava do corpo, ela ficava liberta dos limites físicos e conseguia experimentar uma rápida visão da verdade pura, sutil, radiante, brilhante, vibrante e gloriosa. Leia mais sobre os estágios budistas da morte.
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Além do espaço-tempo
Existem passagens no livro que descrevem a experiência da morte como uma percepção da ausência de formas, objetos, tempo e espaço, restando apenas o vazio supra cósmico. Esse vazio não seria o nada, mas sim a plenitude da consciência da realidade universal, o estado de perfeita iluminação.
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Veículos diferentes para a expressão espiritual
A separação entre mente, corpo e espírito é um conceito muito recente da cultura humana, mas já era uma ideia muito presente no Livro Tibetano dos Mortos. Segundo o conteúdo da obra, haveriam três estados de perda da consciência, ou seja, três formas diferentes de expressar a individualidade no plano objetivo: etérico, astral e mental. “Agora vais experimentar três bardos. Três estados de perda do eu.” O que o livro chama de “jogos de alucinações fantasticamente variados”, são as formas percebidas por aqueles que acabaram de morrer, mas que ainda acreditam na realidade das formas-pensamentos concentradas na última vida. Ou seja, após a morte e da separação dessas três entidades de expressão, a consciência veria a sua volta aquilo que criou mentalmente ao longo da vida. Eles chamavam essas imagens de aparições e afirmavam que elas eram formas do próprio pensamento do espírito. Ou seja, o texto considera que o tibetano terá experiências típicas de seus costumes religiosos, mas o que está descrito pode variar de pessoa para pessoa e, consequentemente, de cultura para cultura, pois isso depende das experiências e concepções dos recém-desencarnados. Nesse sentido, cristãos ortodoxos, por exemplo, teriam visões sobre o purgatório, o inferno ou mesmo o paraíso. Tudo dependeria da história, das crenças, memórias, pensamentos, sentimentos e expectativas de cada um em vida. E foram ainda mais além: era através da observação e contemplação dessas formas, que seria possível a libertação das ilusões da existência para retornar ao plano dos nascimentos e mortes, onde a alma aguardava pelo nascimento.
“Se seu problema tem solução, então não há com que se preocupar. Se seu problema não tem solução, toda preocupação será em vão”
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Reencarnação planejada
O Livro Tibetano dos Mortos declara que é possível selecionar a personalidade da próxima vida. O conselho dado era fazer a seleção da futura personalidade de acordo com os melhores ensinamentos. Quais são esses ensinamentos não fica claro no livro, mas podemos extrair dessa passagem a conclusão de que não só o espírito renascia e vivenciava diversas vidas, como essas vidas eram planejadas nessas dimensões superiores. Incrível.
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União espiritual entre a consciência e o feto
Essa passagem também é estarrecedora, pois mesmo atualmente são poucas as doutrinas que conseguiram ir tão longe nessa ideia. Segundo o livro, pouco antes do nascimento o futuro encarnado deve se unir a um feto. E o livro aprofunda ainda mais essa ideia, pois afirma que o estado mental do espírito quando essa união é feita e tudo que acontece na vida intrauterina vai influenciar a geração do feto, o nascimento e as tendências futuras. Isso combina muito bem com as atuais pesquisas de regressão à fase intrauterina e antes do nascimento, e a ideia de que a geração da vida não é mecânica e sim espiritual.
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