Nyingma: a escola mais antiga do budismo tibetano
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O budismo é uma fonte de conhecimento inesgotável. A partir dos ensinamentos de Buda, as lições se multiplicaram e renovaram, formando diferentes escolas e perspectivas sobre o mundo, a iluminação e as práticas.
“Pratiquem a bondade, não criem sofrimento, dirijam a própria mente. Esta é a essência do Budismo”
Buda é o personagem histórico comum a todas as tradições budistas. Ele não deixou nenhuma escritura, nada que possa ser considerado oficial pela doutrina. Ele fazia palestras, sermões e orientações públicas sem deixar nada registrado. É somente após a morte de Buda que os discípulos começaram a registrar os ensinamentos do mestre, uma trajetória histórica que já sabemos como termina: cisões, rupturas, disputas entre grupos ambicionando o protagonismo da doutrina.
A história sempre se encarrega de transformar tudo “que um dia foi” em algo que “ainda não é”. Tal como Jesus, Buda foi interpretado de formas diferentes ao longo dos diversos momentos históricos e políticos, resultando em uma gama diversificada de visões sobre a doutrina. Assim, chegamos ao budismo tibetano.
O budismo tibetano
O budismo foi introduzido no Tibete durante sua o Império do Tibete, entre o séculos VII a IX. Escrituras budistas em sânscrito originárias da Índia foram traduzidas para o tibetano sob o reinado do rei Songtsän Gampo, sendo posteriormente considerado como religião oficial do estado. O budismo tibetano é também chamado de budismo vajrayana ou lamaísmo, e tem toda uma liturgia e elaborados rituais que acompanham a parte prática da meditação. A leitura de Saddhanas (textos litúrgicos), visualizações e instrumentos musicais fazem parte da escola budista tibetana, por isso, ela tem uma forte tradição artística.
A representação mais forte do budismo tibetano é o Dalai Lama, o chefe de estado e líder espiritual do Tibete. Dalai em mongol significa “oceano”, e lama é a palavra tibetana para “mestre”. Dalai Lama é o título de uma linhagem de líderes religiosos da escola Gelug do budismo tibetano e, por se tratar de um título concedido a um monge e lama, ele é reconhecido e altamente respeitado por todas as escolas do budismo tibetano. Os dalai-lamas foram os líderes políticos do Tibete entre os século XVII até 1959, residindo em Lhasa. O atual dalai-lama, Tenzin Gyatso, é o líder oficial do governo tibetano no exílio ou Administração Central Tibetana.
As principais escolas do budismo tibetano são Nyingma, Kagyu, Gelug (escola de que faz parte o Dalai Lama) e Sakya.
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Nyingma: a primeira escola
A escola Nyingma, a mais antiga das quatro escolas do Budismo Tibetano, é baseada nos ensinamentos apresentados pelo Guru Padmasambhava, também conhecido como Guru Rinpoche, e pelo Grande Sábio Santaraksita. O Guru Rinpoche é visto como o Buda do Tibete, e sua vinda foi prevista por Buda. Sua vida foi repleta de fatos extraordinários, desde o nascimento em uma flor de lótus no corpo de um menino de 8 anos até manifestações múltiplas de si mesmo em lugares distintos.
A escola Nyingma teve sua origem com o Guru Rinpoche, que vem da Índia para o Tibete no século VIII. Atendendo ao convite do sábio Santaraksita, Padmasambhava chegou ao Tibete a fim de ajudar a construir o monastério de Samye, principal centro de estudos e local onde muitos textos, que vieram a constituir a vasta literatura budista, foram traduzidos pela primeira vez para o tibetano. Assim, com a ordenação dos primeiros monges tibetanos e a transmissão dos tantras, teve início a mais antiga linhagem de budismo tibetano.
No Brasil, tivemos a oportunidade de receber estes ensinamentos e de termos aqui no continente sul-americano uma base para práticas, retiros e transmissões. Os ensinamentos de Guru Rinpoche chegaram até nós através da imigração do lama tibetano Chagdud Tulku Rinpoche, que se exilou do Tibete juntamente com milhares de tibetanos (e o próprio Dalai Lama) após a invasão chinesa na década de 50.
Tesouros ocultos do Nyingma
Os lamas têm uma função importantíssima, além de serem as autoridades políticas. Como a transmissão de conhecimento é feita verbalmente entre mestre e discípulo, o relacionamento com os lamas é essencial para aprendizado da doutrina e dos ensinamentos. Sem essa orientação e acompanhamento próximo, é quase impossível atingir a iluminação.
O Guru Rinpoche deixou de presente para o mundo muitos ensinamentos e também algumas práticas. Rinpoche transmitiu aos discípulos muita coisa na época da formação do budismo tibetano, mas, seguindo orientação e outros mestres espirituais, deixou “escondidos” alguns tesouros, como são chamados esses ensinamentos preservados para o futuro. Como o iluminado que era, ele sabia que haviam lições que os alunos ainda não estavam preparados na época, sendo os discípulos do futuro o alvo dessas pérolas escondidas. Uma verdadeira riqueza póstuma, que continua ajudando tantas pessoas até os dias de hoje.
Alguns ensinamentos Nyingma
Para termos uma ideia da filosofia desta escola tibetana, vamos percorrer os principais alicerces desse pensamento.
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Preciosa existência humana
O budismo não tem a ideia de um criador, o conceito tradicional do deus criacionista. O que existe é um co-surgir interdependente e simultâneo, onde tudo que existe surge sem a necessidade de um governador, ou seja, tudo existe sem um ser que guia os rumos da existência. Para o budismo, é a transformação da própria vida que vai surgindo que reúne as inúmeras causas e condições que permitem a existência. É a natureza buda que se manifesta em cada partícula e no grande todo.
A vida, a existência, é uma joia rara, um constante aprendizado onde o horizonte é a vida em harmonia e cada um de nós é protagonista no palco de eventos da vida.
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A impermanência
Não há nada fixo nem nada permanente. Esse é o primeiro ensinamento de Buda. O corpo é impermanente, as sensações são impermanentes, as percepções são impermanentes, as formas mentais são impermanentes, e as consciências são impermanentes. E tudo o que é impermanente é sujeito ao sofrimento e mudança. Dessa forma, não se pode dizer “isto pertence a mim” ou “isto é meu”.
“Se você realmente contemplar a impermanência, consumará a sua prática rapidamente. Quando a hora da sua morte chegar, você estará confiante”
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Lei de causa e efeito
Karma é aquilo que fazemos de forma repetitiva, que vai causar tendências de repetição. Na visão budista, o karma é composto de hábitos emocionais e psicológicos, respostas a realidade que tendem a repetição e causam sofrimento. A “ação” ou “fazer”; refere-se a “ação intencional” que tem como consequência um resultado, seja na vida presente ou num contexto de um nascimento futuro. Assim, o karma é o motor que impulsiona o ciclo de renascimentos (ou roda de saṃsara) para cada ser.
A Lei de Causa e Efeito parte do pressuposto que tudo o que é vivo no universo está sujeito a tal lei. Uma ação, uma palavra ou um pensamento, são formas de criar uma causa. O efeito corresponde à causa praticada, boa ou má. Uma pessoa que leva sofrimento a qualquer ser vivo, terá uma vida vazia e infeliz. Ao contrário, uma pessoa que leva felicidade e esperança a outros seres, terá uma vida feliz e próspera.
“Aqui se faz, aqui se paga. Isso não é uma ameaça, é a lei do retorno”
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Sofrimento do Samsara
“O sofrimento existe” é a primeira constatação de Buda, após abandonar seu palácio. Para Buda, a causa de todo sofrimento é o desejo e o apego. Já que tudo é impermanente, quando desejamos as coisas e as tomamos como nossas, entramos em um ciclo de sofrimento que nos movimenta em Samsara, a Roda das Encarnações. Para realizar nossos desejos e acabar, então, como nosso sofrimento, vamos gerando cada vez mais carma e agindo no mundo com egoísmo e cada vez menos responsabilidade, seja com a natureza, seja nas relações afetivas, seja com nossas próprias necessidades espirituais.
As emoções mais densas extravasam em forma de palavras desarmoniosas, ações duvidosas, atividades escusas.
Só conseguimos sair de Samsara, iluminar e parar de renascer no mundo, quando conseguimos terminar com nosso sofrimento e o de outros, eliminando o desejo. Devemos ambicionar o crescimento, especialmente o espiritual, mas o desejo colocado por Buda tem uma essência narcísica, ou seja, diz respeito ao ego, aquilo que atende a nossa vaidade.
“A vida é sofrimento; a causa do sofrimento é o desejo; a cessação do sofrimento é se ver livre do desejo; o modo de fazê-lo é o Caminho Óctuplo”
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