Você sabia que pseudociência pode matar?
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
A era da informação tem aspectos muito positivos que acompanham a evolução humana dos dois últimos séculos, que, diga-se de passagem, não foi pouca. Chegamos a um momento em que qualquer informação pode ser encontrada, independente do tema. Isso é maravilhoso! Porém, a disseminação atomizada da informação nos trouxe problemas. Um deles é a perda do respeito pelas “autoridades” em determinados assuntos, e a facilidade com que as pessoas se sentem confortáveis para dar opiniões completamente vazias de argumentos. Atacar, ofender e destruir é o novo argumento.
“A má informação é mais desesperadora que a não-informação”
Ler um livro, fazer um curso, passar um final de semana em um workshop não faz de você um profissional e nem te habilita para refutar consensos científicos e acadêmicos, que envolveram anos de estudo e um processo que não é constituído de achismos e opiniões. É assim que chegamos ao ponto de, em pleno século XXI, estarmos discutindo se a Terra é plana, se vacinas modificam o DNA, se temos um vírus conspiratório sendo espalhado por antenas de 5G e se termômetros que aferem temperatura pela testa escaneiam ou não a mente. E, no meio disso tudo, temos as pseudociências ganhando cada vez mais popularidade e ambicionando substituir tratamentos tradicionais.
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Não há nada de errado em ter fé
O universo da pseudociência é imenso e vai de ufologia, reiki e homeopatia, a constelação familiar e hipnose. Qualquer prática ou conhecimento que não tenha comprovação científica é considerado pseudociência, por mais verdadeiro que possa parecer. O fenômeno UFO, por exemplo, parece muito credível. A ideia de que existe vida em outros planetas, quando sabemos que temos cerca de 100 bilhões de galáxias no Universo faz bastante sentido. Temos, inclusive, casos famosos que produziram provas e envolveram governos e exércitos, com vídeos, operações, fotos e muitos documentos. Mas podemos dizer que é científico acreditar em extraterrestres? Não. A ciência segue um método, que envolve reproduzir um determinado fenômeno em laboratório, criar hipóteses, estudar os resultados e fazer a revisão por pares para criar consenso. Não se reproduz um UFO em laboratório, então, quando falamos de vida fora da Terra, adentramos a esfera da pseudociência.
“O que é mais assustador? A ideia de extraterrestres em mundos estranhos, ou a ideia de que, em todo este imenso universo, nós estamos sozinhos?
Vemos o mesmo acontecer com o reiki e outras terapias alternativas. Quem já fez uma sessão de reiki, quem já obteve uma melhora de saúde fazendo Yoga, meditação ou tomando algum medicamento manipulado, sabe que essas terapias e práticas podem trazer muitos benefícios não só para o corpo, como para a mente. Mas são científicos? Não. Não são. E nem precisam ser. Meditar traz mesmo benefícios e há estudos que comprovam esses benefícios. Mas não podemos achar que vamos curar um câncer apenas meditando. O bacana da ciência é que ela é viva e não tem problemas em mudar de ideia quando algo que antes era considerado errado se prova verdadeiro.
O mesmo não acontece com opiniões e convicções, infelizmente. Não precisamos que a ciência ateste a existência do espírito para ter certeza que fenômenos mediúnicos acontecem, que EQM’s são verdadeiras e que há pessoas que conseguem sair do corpo e viajar astralmente. E devemos respeitar a ciência por não atestar o que ela não pode comprovar através de seus métodos, até porque não é esse o papel dela. Nós é que temos que saber até onde vai a ciência e onde começa a nossa fé, apesar de sabermos que a fé tem um grande poder sobre nós. É aí que começa o problema, quando nos deixamos convencer que podemos nos curar milagrosamente de uma doença grave, com algumas sessões de hipnose, coaching quântico, ou seja lá o que for. Isso resulta em morte, suicídio e até surtos como sarampo e poliomielite que estavam controlados, doenças para as quais temos vacinas há muitos anos. Aliás, há indícios de que os grupos anti vacinas são financiados por conglomerados que comercializam pseudociência como a salvação para todas as enfermidades. É, a pseudociência pode matar.
Pseudociência fantasiada de ciência: a um passo da morte
O problema começa quando queremos substituir o que é científico por aquilo que não é. Aceitamos como verdadeiras promessas de cura e tratamentos que não possuem comprovação e garantias de resultado, seja para combater doenças físicas ou transtornos mentais. É o que vemos acontecer com essa epidemia de coachings milagrosos e terapeutas que prometem curar esquizofrenia, depressão, ansiedade e outras doenças com sessões online e práticas questionáveis. As pessoas que oferecem esse tipo de tratamento não comercializam esses atendimentos como um apoio aos tratamentos tradicionais. Não. Eles são os paladinos da cura, as únicas opções, os unicórnios da cura. Eles desdenham da psicologia, da psicanálise e da medicina, e garantem que curam toda e qualquer coisa em curto período de tempo. São quase como Jesus, fazendo seus pequenos milagres. Como apoio, autoconhecimento e centrados na mente e no espírito, entes que fazem parte de muitos tratamentos bem sucedidos, essas terapias são maravilhosas. Como única opção, são mortais. E cobram caro para te matar.
A pseudociência copia da ciência a linguagem e os padrões estéticos, apoiando-se em figuras de autoridade para fazer valer os argumentos que alega. E o mais engraçado é isso, pois, embora rejeitem a ciência, os adeptos da pseudociência acabam por usar a mesma linguagem e tentam trazer credibilidade científica para práticas não autorizadas pelos órgãos de saúde. Tem sempre um estudo na manga, um médico ou cientista renomado para citar, mas nunca apresentam fontes. Não entendem que estudos não atestam nada, não geram consenso científico. Dizem que são métodos comprovados mas não mostram provas, até porque, compreendem muito pouco sobre como funciona a ciência e o que é o método científico. É o mesmo mecanismo do terraplanismo: rejeitam a ciência, mas, querem provar que a Terra é plana através de experimentos científicos. E se você discorda, é atacado. Não por argumentos, mas por adjetivos e juízos de valor. Você não tem fé, você não tem amor no coração. Você não sabe vibrar quanticamente, você não desejou sua cura com sua alma, você não tem a consciência expandida. Pobre de você, que não cocria sua realidade e não manda no Universo com a força de sua vontade.
Culpabilização da vítima: a face demoníaca das pseudociências
Um terapeuta alternativo que se preze sempre vai atribuir culpa ao indivíduo. Pensamento positivo é eficaz, claro, pois, sem esperança não é possível viver nesse mundo e conquistar qualquer coisa que seja. Sem objetivos, sonhos, sem desejos a serem realizados, não tem porque sairmos da cama todos os dias. E é óbvio que, quanto mais otimismo, mais força de vontade você empenha no processo que pode – veja bem, pode – te levar ao sucesso. E quando digo sucesso não quero com isso reproduzir a ideia social de sucesso, que é a riqueza. Pode ser sucesso emocional, físico, enfim, qualquer que seja seu desejo, incluindo também a carreira e a saúde financeira. Mas esse caminho que te permite realizar um desejo nem sempre depende de vontade e empenho. Muitas vezes é uma questão de oportunidade… É aí que as pseudociências mostram sua face egoísta e maléfica: não consideram processos sociais e emocionais como parte da equação da felicidade, já que, basta querer para ter. A cura para a pobreza é a vibração quântica. Racismo é vitimismo, depressão é fraqueza e negatividade. É como se vivêssemos em um mundo maravilhoso e de iguais oportunidades, onde basta você se esforçar para conseguir se realizar.
“Detesto as vítimas quando elas respeitam os seus carrascos”
E você é responsável por tudo de ruim que acontece. É claro que temos um certo grau de responsabilidade em relação a muitos dos problemas que enfrentamos. Você fuma a vida inteira e tem câncer nos pulmões, então, é certo assumir que a culpa meio que foi sua. Mas essa ideia da atração dos males não é usada para justificar acontecimentos como o câncer de um fumante. Essa ideia serve para tudo! Foi assaltada? Você atraiu. Está com câncer? Atraiu. Sofreu um acidente? Um estupro? Você simplesmente atraiu isso tudo. Você vibrou na negatividade, querida. E basta querer que isso tudo passa. Você só precisa aprender, pagando muito dinheiro, é claro, a vibrar da forma correta e expandir sua mente para manipular o mundo quântico.
Gostaria de ver um desses novaeristas explicar em que raios de frequência vibram os animais e a natureza, e o que fizeram para “atrair” a maldade destrutiva humana. As crianças também, queria compreender que negatividade é essa que algumas carregam que atrai doenças terríveis e abusos odiáveis.
A constelação familiar: fuja o mais rápido que puder
O melhor exemplo de pseudociência maléfica é a constelação familiar. (leia mais aqui sobre este tópico) A princípio ela parece mágica. O discurso é lindo, as sessões são intensas e trazem à tona traumas emocionais que têm origem familiar. Se seu trauma é “um pai ausente”, por exemplo, vamos constelar, integrar e perdoar e você fica curada da sua dor. É claro que o perdão liberta, não o algoz, mas a vítima. Se seu pai é ausente, se sua mãe é narcisista, aceite que são assim, que fizeram o melhor (porque são pessoas claramente problemáticas) e siga a vida. Isso é uma coisa. Mas na constelação familiar o cerne é você e a culpa que você tem sobre tudo. Se você for ler o livro do Bert Hellinger e a literatura a respeito desse tema, ficará chocada com o que vai encontrar.
Bert Hellinger é o criador da constelação familiar. As sessões acontecem através de um teatro, em que pessoas representam entes e até “coisas” relacionadas ao constelado. A base de toda a teoria é dizer que todos os problemas que temos tem origem nos nossos antepassados, mesmo aqueles que a pessoa que está constelando não teve contato, com um trisavô, por exemplo. Bom, precisamos começar dizendo que Bert Hellinguer era nazista e, apesar de ter suavizado seu discurso ao longo tempo, é possível identificar marcas dessa ideologia através de comentários antissemitas feitos por ele em vários seminários e cursos. Não só comentários antissemitas, mas muitas outras ideologias criminosas embasam a constelação familiar. Por exemplo, sobre a homossexualidade, Hellinger dizia se tratar de uma doença e afirmava já ter curado muitos homossexuais. Sobre o incesto e abuso sexual ele vai ainda mais longe: segundo Hellinger, isso acontece quando a esposa recusa um relacionamento sexual com o marido e, a filha, como uma espécie de compensação, toma o lugar da mãe de forma inconsciente. Segundo ele, a vítima do estupro deve, na sessão de constelação, dizer ao pai que “faz aquilo pela mãe” e para a mãe deve dizer “eu faço isso por você”. Sim, é isso mesmo. O abusador se torna vítima, a vítima é co-autora da situação e doente mesmo é o homossexual. Incesto, pedofilia, abuso sexual e homossexualidade são tratadas na constelação familiar através do ponto de vista da mente doente de Hellinger. Imagina como fica a cabeça de alguém que sofreu essa abominação dentro da própria casa e, quando procura ajuda, escuta esse tipo de coisa?
“Examinem alguns fragmentos de pseudociência e encontrarão um manto de proteção, um polegar para chupar, algo a que se agarrar”
Infelizmente há quem defenda não só Hellinger, mas tantas outras terapias que podem causar traumas irreparáveis. Aliás, defender mestres e gurus abusivos é uma especialidade brasileira.
Por isso, muito cuidado com quem você segue, o que propaga e recomenda. Também avalie com muita cautela onde você procura ajuda quando tem um problema de saúde. Muitas terapias alternativas são maravilhosas e o caminho espiritual pode fazer milagres, mas não podemos esquecer que nada disso tem base científica e não devemos tratar a pseudociência como única via de cura. Terapias alternativas são um complemento, não o fator central do seu tratamento. E vale lembrar: vacinas salvam vidas, a pandemia não é invenção de governos ocultos e a Terra é redonda. E ponto.
Ciência é ciência, pseudociência é pseudociência e fé é fé. Cada um no seu quadrado.
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